postado em 01/10/2019 04:12
Tive um sonho. Fechei os olhos, e Brasília era úmida. Ipês teimavam em florir mesmo fora de época, borboletas delicadas passeavam entre as quadras. Havia cor. O Palácio do Planalto estava coberto de cores, a Esplanada dos Ministérios, também, assim como a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. E não eram só luzes coloridas.
O sol despontava tímido e brando. Ninguém pedia chuva, pois não havia seca. Pessoas sorridentes liam em sombras do Museu Nacional. Sim, havia sombra e entendimento. Acho que me lembro de ter ouvido vermelhos e verde-amarelos concordarem que ;tudo bem discordar;. Neoliberais almoçavam com marxistas. E sorriam. Era um tempo de paz.
Uma banda de rock tocava Beatles no Conic, e o Dulcina pulsava. Sem riscos e sem dores, atrizes gritavam peças bonitas sobre um passado triste que se encerrou. Lembro-me de ver o Teatro Nacional em polvorosa, também ele colorido e forte. Ninguém lá dentro tinha medo.
De volta ao museu. Algumas pessoas ainda liam do lado de fora. Eram livros incríveis. Todas conheciam Francisco Alvim e Severino Francisco. Dentro do museu, crianças corriam e brincavam. Artistas faziam performances. Tudo era arte, e o corpo, um templo, muito além de vulgaridades e polêmicas. Fora do plano, rappers entoavam gritos de vitória. A guerra estava ganha. E as distopias se tornaram só suposições profanas de um outro mundo, do qual escapamos ; talvez por sorte.
À beira da Catedral, quase como novos profetas, Oscar Niemeyer e Lucio Costa descansavam. Corri até eles. Perguntei ofegante se as árvores e as cores incomodavam, se estávamos longe demais do projeto. Eles riram e disseram que não. A cidade é viva e cresce delirante e bela sob meus olhos. Fechados.
Acordo. Sinto meu nariz sangrando. Leio notícias doídas e sangrentas de um tempo nefasto. Alguns governantes solfejam ladainhas horríveis e protegem seus pares. Estou coberto de suor e calor. Lembro-me do sonho, titubeio, mas percebo: ainda assim, eu não gostaria de estar em outro lugar.