postado em 02/10/2019 04:15
O futuro de Adriana Villela será decidido hoje. Acusada de triplo homicídio, a ré receberá o veredito do Tribunal do Júri de Brasília após nove dias de julgamento. Ontem, ela teve a oportunidade de contar a própria versão do caso, que ficou conhecido como o Crime da 113 Sul. O interrogatório da arquiteta durou mais de 10 horas e consistiu em descrições sobre o relacionamento com os pais, José Guilherme e Maria Villela, e o detalhamento sobre a investigação da Polícia Civil.
Adriana destacou a rigidez da mãe, uma mulher elegante, porém sempre crítica quanto às escolhas da filha. Em 2006, Maria enviou uma carta a Adriana em que dizia não aguentar mais os ;destemperos dela;. ;Eu lembro perfeitamente de ter recebido aquela carta e de ter feito um ar de espanto. Que carta bizarra;, descreveu a arquiteta, que disse não lembrar de nenhum incidente capaz de ter motivado as palavras da mãe. ;Eu tinha conflitos com a minha mãe. Ela não gostava do jeito que eu me vestia. Era uma mulher muito elegante, sóbria, gostava de cores como o bege;, citou. ;Ela não queria que a gente discordasse dela. Era internamente muito frágil e insegura, mas se tornou muito forte para lidar com as perdas que teve.;
Por diversas vezes, Adriana criticou o trabalho da Coordenação de Crimes Contra a Vida (Corvida), em especial a delegada Mabel Alves de Faria ; a policial aposentada foi uma das testemunhas. ;As acusações a mim não se apoiam em evidências colhidas, mas em uma tese criada por uma delegada interessada em dar uma resposta oportuna a uma sociedade que cobrava;, alegou. ;Se a polícia tivesse se dedicado desde o primeiro momento a analisar as evidências, ela poderia ter chegado ao Leonardo e esclarecido esse crime em talvez dois ou três meses, porque estava tudo lá.;
A arquiteta rejeitou as acusações de que tinha conflitos com os pais por dinheiro, mas confirmou receber, à época, mesada de R$ 8,5 mil. Ao questioná-la sobre a vida profissional, o juiz titular Paulo Rogério Santos Giordano fez a conversão para valores atuais: cerca de R$ 21 mil. ;Apesar de receber uma herança avaliada em torno de R$ 40 milhões, divididos entre mim e o meu irmão, é praticamente um passivo imobiliário;, explicou Adriana.
Segundo ela, o valor está nos imóveis que os pais tinham e, só seriam lucro, se ela e o irmão conseguissem vendê-los pelo valor de mercado. ;Alguns deles estão vazios e geram muitas despesas de condomínio e de IPTU. Eu e o meu irmão tentamos manter em dia, mas não tem sido muito fácil;, disse.
Por vezes, Adriana foi acusada de ser usuária de drogas. Ela aproveitou o interrogatório para esclarecer esse ponto. Ela admitiu ter usado maconha e, quando tinha por volta de 14 anos, também consumiu cocaína. ;Como sou dos anos 1970, talvez tenha, vez ou outra, experimentado ácido ou chá de cogumelo. Mas não sou nenhuma drogada e acho que dá para ver;, declarou.
Preocupação
A pedido do juiz, ela narrou o que fez na sexta-feira, 28 de agosto de 2009, data do crime, e logo em seguida reforçou as declarações dos advogados. Naquela dia, ela teria passado a manhã em um curso de Economia Solidária na Funarte e, depois, almoçado em um restaurante na Asa Sul. À tarde, seguiu para um curso de arquitetura no Instituto Cervantes (707/907 Sul), onde ficou até as 18h10, horário em que conversou com a filha por telefone. De lá, Adriana passou por duas padarias na Asa Sul, uma na 106 e outra na 209, onde comprou pães e patês para lanchar com uma amiga na Vila Planalto. Lá, ficou até as 21h, quando seguiu para casa, na QI 29 do Lago Sul. À noite, iria para uma festa, mas, por estar cansada, desistiu.
No dia seguinte, a arquiteta passou novamente a manhã no Instituto Cervantes. À tarde, esteve no Pontão do Lago Sul e, à noite, no Teatro Nacional. No dia seguinte, almoçou com a filha, que demonstrou preocupação, porque os avós não retornavam as ligações dela. ;Eu não tinha como adivinhar que algo tivesse acontecido com os meus pais e não me pareceu preocupante;, afirmou.
Ela disse que apenas na segunda-feira sentiu preocupação, depois que Carolina informou que os avós não tinham trabalhado. ;Tentei acalmá-la, falei que talvez tivessem feito uma viagem e não nos comunicado. Eu mesma não acreditava, mas foram hipóteses e prognósticos que sonhei;, ponderou. Ela explicou que não foi imediatamente ao apartamento, pois a filha disse que visitaria o local. Além disso, havia pedido que ela fizesse ligações a Francisca Nascimento Silva, empregada da família e uma das vítimas do triplo homicídio.
Durante o interrogatório, Adriana criticou as diligências da Polícia Civil, em especial da Corvida. De acordo com ela, amigos, familiares e pessoas que ela quase não teve contato viraram alvo dos investigadores. Ela ressaltou que sempre cooperou com os agentes e não conseguia entender o motivo de ter virado alvo.
Em agosto de 2010, Adriana foi presa pela primeira vez. Ela detalhou que a delegada aposentada Mabel a trancou em uma cela solitária para que ela fosse psicologicamente pressionada. O juiz questionou se isso não poderia ter sido feito para a segurança dela, uma vez que poderia sofrer retaliações de outras detentas. Adriana, então, ironizou: ;É possível que ela tenha me colocado lá para eu não correr risco. Se for isso, tenho de agradecer muito à doutora Mabel.
Agressividade
Respaldada pela Constituição, Adriana recusou-se responder aos questionamentos do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e dos assistentes de acusação. ;Desde a manhã, ela veio com um discurso pronto. A gente até repara algumas frases que parecem decoradas. Porém, ela vai se soltando e, inclusive, chegou a ser agressiva com o juiz e pode ser por isso que não vai responder o MP;, comentou o promotor de Justiça Marcelo Leite.
Segundo ele, a negativa de Adriana para a acusação mostra aos jurados a agressividade dela. ;Tenho certeza de que a defesa acredita que ela não tem condições psicológicas de responder a essas perguntas;, acusou. Marcelo frisou que a acusação está otimista com a condenação. ;O mais importante serão os debates. Vamos mostrar provas, e a nossa conclusão desde o início, de que ela é culpada;, ressaltou.
"Vi na Corvida imagens da minha mãe morta que me atormentaram durante muito tempo. Eu fechava os olhos para dormir e aquela cena vinha à minha cabeça;
"Às vezes, eu tinha até vontade de rir, porque policiais estavam criando um teatro para me incriminar. Um deles perguntou se eu tava achando que ele tinha cara de palhaço, eu pensei que sim, porque
é um papel trágico, mas cômico;
"Meus pais estão aqui comigo, ajudando a minha defesa. Existem pessoas me apoiando no plano material e espiritual. A minha vida e a paz da minha família dependem disso. Que vocês (jurados) consigam se colocar no meu lugar e no lugar da minha família. Que isso toque o coração
de vocês;
"Pelo meu pai eu tinha extrema paixão. Eu amava meu pai e ele me amava. Ele tinha uma forma grosseira e ríspida de falar, mas, por trás disso, eu via um amor infinito;
Adriana Villela,
arquiteta
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