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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 02/10/2019 04:15
Os desapegos e a internet

; Vocês não viram a história do homem que fingiu estar interessado no anúncio da internet e matou pai e filha para roubar o carro?

Assim, um pouco alterada e um tanto preocupada, mamãe reagiu quando, no fim de sábado, contei que buscaria um produto anunciado em um site de vendas. Até tentei, mas não consegui vencer a curiosidade felina. Tive que dizer do que se tratava.

; Facas? À noite? Pior ainda!

Era o único horário que tínhamos no fim de semana, e o vendedor insistia para que fôssemos buscar o desapego o quanto antes, argumentei. Alterada, preocupada e cega de desconfiança com a explicação, ela foi categórica:

; Um fica no carro ligado, e o outro desce para pegar as facas.

Até chegar a Águas Claras, não nos lembramos da barbárie nem da brabeza. Estávamos mesmo envolvidos em seguir a voz monótona do aplicativo para conseguirmos chegar à rua com nome de árvore. Estava escura. O que fez com que a ordem materna fosse descumprida por um cuidado mais urgente.

; Ligue para ele e diga que estamos esperando aqui, na portaria. Melhor não subir.

O desconhecido vendedor também estava cauteloso. Anunciou a mesma condição antes de qualquer sugestão do meu companheiro. Em menos de cinco minutos, desce Alexandre. Tinha uma sacola de papel nas mãos e um grande sorriso no rosto. Desarmamos!

; Conte a história das facas!

O desprendimento de Alexandre tem amor. Estava vendendo os utensílios profissionais a um preço caseiro para ir embora. Vai encontrar a amada antes do tempo combinado. A saudade apertou demais, contou meio tímido. Entre o resto de compromissos que tinha aqui e a nova vida lá, decidiu ficar logo com quem mereço apego. Nos encantamos!

No meio de desabafos e dicas sobre mise en place, Alexandre nos surpreendeu novamente. Voltou ao apartamento e trouxe outros adereços gastronômicos. Eram presentes. Na mais nobre das formas.

Agradeci e só consegui desejar que ele brilhasse no novo projeto de vida. Voltamos para a casa com a sensação de que deveríamos ter dito mais.

Brilhe, Alexandre. Brilhe porque você desarma o olhar desconfiado que nos impede de enxergar o outro por inteiro. Brilhe porque, com toda a selvageria, precisamos nos apegar à empatia. Brilhe porque você escolheu o amor.

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