postado em 06/10/2019 04:16
Pertencimento. Este é o sentimento que os alunos de altas habilidades da Escola Classe 113 Norte sentem ao frequentar a aula na Sala de Recursos de Artes Visuais Ângela Virgolim, ministrada pelo professor Samuel de Oliveira, 59 anos. A enorme quantidade de trabalhos produzidos, alguns deixados pelos estudantes desde 2005, contam a história e o traço característico de cada um que por ali passou. Entre as obras, estão pinturas em aquarela, desenhos a lápis, esculturas e maquetes.
Os atuais 48 alunos com faixa etária de 6 a 12 anos são atendidos nos turnos da manhã e da tarde, pelo menos uma vez por semana. Pietra de Oliveira, 9, foi estimulada por uma professora do ensino fundamental a procurar a Sala de Recursos de Artes no ano passado. Desde então, Pietra tem coloridos páginas em branco. ;Na sala do professor Samuel, tenho mais tempo para desenhar e fazer o que eu gosto, como pintar animes (traço japonês);, conta.
Para o professor, é importante estimular o aluno a experimentar vários tipos de técnicas. ;O objetivo é fazer com que o aprendiz saia da zona de conforto;, completa Samuel. Pietra também divide o trabalho artístico desenvolvido na sala de aula com atividades de altas habilidades em tecnologia e o gosto pelo canto. ;A gente incentiva a Pietra em todas as atividades que ela quer fazer, principalmente na leitura;, diz o pai Júlio de Oliveira, 48.
Pesquisadora, a psicóloga Juliana Gebrim destaca que a criança superdotada tem uma motivação muito grande por vários temas e uma criatividade imensa. ;Hoje, há vários testes cognitivos que identificam questões como imaginação, originalidade, flexibilidade, comunicação, liderança e aspectos que são muito avançados para a idade daquela criança. Normalmente, ela é mais madura do que as outras, inclusive na abordagem de questões da vida e tópicos até didáticos;, avalia.
De acordo com a Secretaria de Educação, o Distrito Federal conta atualmente com 61 educadores especializados para alunos com Características de Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD). O último Censo Escolar de 2018 contabilizou atendimento de 676 estudantes. Durantes as aulas são desenvolvidas atividades nas áreas de artes plásticas, artes cênicas, música, linguagens/ciências humanas, exatas/ciências naturais e robótica.
Para a diretora da Escola Classe 113 Norte, Silene Rubim, 52, a sala de altas habilidades é um diferencial. Neste ano, Silene decidiu fazer a primeira exposição com obras dos estudantes. ;A gente queria homenagear o trabalho e a paixão do professor Samuel. Existem obras lindíssimas no nosso acervo, que ficam guardadas sem que ninguém conheça o talento dos alunos. O objetivo é que as pessoas vejam e valorizem o que temos na sala;, explica.
O professor Samuel acredita que a inclusão é chave para que os alunos se sintam vinculados ao trabalho desenvolvido. ;Quando passei na fundação (Educacional), deixei minha carreira de artista para trabalhar para o aluno. Eles vêm para a aula porque querem, é uma atividade complementar. Se o aluno não tiver a sensação de pertencimento, a inclusão vai ser difícil;, explica. Segundo o docente, é importante instigar o aluno para desenvolver seu talento nato, além de manter os traços pessoais.
Samuel se deparou com o tema após diagnosticar altas habilidades em artes visuais na filha mais velha, a partir do 1; ano do ensino fundamental. A experiência com a filha permitiu que ele direcionasse a atenção para a área. ;O aluno especial não é superdotado em tudo, é necessário trabalhar a área de desenvolvimento;, comenta Samuel.
Ike Baris, 47, também percebeu um rápido avanço artístico na filha Helena Baris, 14, por isso, procurou a sala de recursos. O médico pediatra considera a escola um local importante para dar o suporte à filha. ;Com as aulas, a Helena aprendeu várias técnicas de desenho. Eu e a mãe dela procuramos dar todo o suporte necessário para o seu desenvolvimento;, conta. A filha reconhece o avanço: ;Comecei a desenhar com 11 anos. A escola me ajudou muito, principalmente em dificuldades que eu tinha. Por exemplo, achava que eu não estava indo bem desenhando mãos e lá consegui melhorar;, explica.
Diagnóstico
;Não foi uma trajetória fácil;, relembra Ikes Baris, pai de Helena. ;Não há um incentivo nas escolas sobre o assunto;. A professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e especialista em formação e inclusão Rosemeire de Araújo Rangni, uma das organizadoras do livro Altas habilidades. Superdotação, explica que o diagnóstico é o assunto mais polêmico da questão, porque muitas das vezes a avaliação realizada contempla apenas o aspecto cognitivo, mas não a personalidade e o comportamento do aluno. ;Com isso, muitos alunos, que não têm o atendimento adequado, podem passar por processos como bullying, angústias, indisciplina e até mesmo pensamentos suicidas;, orienta.
Zenildo Caetano, 58, pai das gêmeas Laura e Luísa , ambas com 18 anos, lembra com carinho da época em que as filhas iam para a escola. De acordo com o professor de educação física, as aulas foram importantes para a formação delas. ;A Laura cursa arquitetura e Luísa, artes visuais;, declara.
Ambas começaram a ir às aulas do professor Samuel com 7 anos. Zenildo percebia que as crianças tinham um olhar diferenciado para as artes. ;É muito legal ver um pouco da história delas e comparar o trabalho de antes com o de agora;, diz.
Sala de aula
Os materiais usados para a produção dos trabalhos, como tintas, telas, lápis de cor, tesouras, entre outros, são investimento dos próprios alunos. Papelões, jornais, revistas e as molduras para os quadros são achados em lixos pelo próprio professor ou a escola recebe como doação
Porém, para Samuel, a maior dificuldade no trabalho não é a falta de material, mas, sim, o preconceito. ;O aluno talentoso precisa de atendimento especial. Mas muitos ainda acham que, por ele possuir altas habilidades, não é necessário nenhum tipo de orientação.
Samuel viu no aluno, hoje monitor, Vinícius de Souza, 32, uma transformação desde que começou a praticar as técnicas de artes visuais. Quando nasceu, Vinícius foi diagnosticado com Síndrome de Asperger, hoje considerada autismo em grau leve. Quando ele entrou, era tímido e pouco comunicativo. Hoje discute temas e se sente um profissional na área.
Vinícius começou a desenhar aos 8 anos e, desde então, nunca parou. ;Estou acostumado a ficar aqui. Gosto de pintar elementos que me inspiram, como figuras humanas;, conta Vinícius. A mãe dele, Rosângela Maria de Souza, 61, percebe a evolução do filho. ;Temos uma rede de ajuda. Além de estímulo e amizade do professor Samuel, Vinícius foi amparado na igreja que frequentamos e, hoje, canta no coral. Isso fez com que sociabilização fosse trabalhada nele. É algo muito especial na nossa vida;, diz, orgulhosa.
*Estagiária sob supervisão de José Carlos Vieira