Cidades

Roberval Belinati: O nosso limite é a lei

Desembargador do TJDFT

postado em 08/10/2019 04:15
Desembargador do TJDFT
Assuntos ligados ao Judiciário têm tomado boa parte das discussões políticas deste ano. Novas legislações, decisões controversas e polêmicas do poder são tópicos debatidos por especialistas, como Roberval Belinati. Com 30 anos de carreira, entre atuações como juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) e desembargador, Belinati foi entrevistado pelo programa CB.Poder ; parceria do Correio com a TV Brasília, e comentou temas como a Lei de Abuso de Autoridade, o julgamento de Adriana Villela e a decisão do ex-presidente Lula de rejeitar a progressão do regime prisional. Confira a entrevista:


Que avaliação o senhor faz da Lei de Abuso de Autoridade e o que pode mudar no Judiciário quando ela entrar em vigor?
Acredito que essa nova lei está deixando os agentes públicos com mais cautela, mas não é nenhuma novidade. A lei velha, de 1975, que foi afinada pelo ex-presidente Castelo Branco, esteve em vigor até poucos dias e trazia praticamente tudo que a nova lei está mencionando. Nós, da magistratura, não estamos temendo nenhuma novidade. O que caracteriza o crime de abuso é a má-fé do agente público. Se um juiz determina prisão ilegal de alguém, agindo de má-fé, sabe que vai responder. Por exemplo, alguém representa ou denuncia dizendo que o juiz decretou prisão de um inocente, para fazer alguma maldade. A vítima desse abuso pode representar. O Ministério Público vai avaliar a conduta do juiz, saber as circunstâncias do ato, da decisão, como ele decretou a prisão... se chegar à conclusão de que ele quis prejudicar a pessoa, vai oferecer uma denúncia no próprio Poder Judiciário. Então, o juiz vai avaliar a conduta do colega para apurar a imputação. Trabalhamos com cautela e nosso limite é a lei. Quem ultrapassar responderá pela lei de abuso.

Semana passada foi encerrado o julgamento de Adriana Villela, condenada a 67 anos de prisão no Tribunal de Júri. Ela saiu livre do julgamento. O que leva a liberdade de uma pessoa depois de um caso como esse?
Existe uma jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) dizendo que o réu que responde em liberdade tem o direito de aguardar o trâmite julgado em liberdade até a decisão do segundo grau. Ela ficou 10 anos em liberdade, foi condenada e saiu do júri sem ser presa, algemada, porque está amparada pela jurisprudência em vigor. Não havia nenhum fato novo para decretar a prisão dela. Agora ela vai aguardar a segunda instância em liberdade. Não havendo nenhuma mudança na jurisprudência do Supremo, ela poderá ficar em liberdade até que o tribunal examine o recurso. Por isso, sou a favor do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro, que defende a prisão após a condenação do Tribunal de Júri, que é soberano. Foi condenado é cadeia, vai cumprir a pena a partir do julgamento.

Ela foi condenada a 67 anos de prisão, mas quanto tempo ela ficará presa de fato? E por que esse julgamento foi tão longo?
Usando a matemática, vai cumprir em torno de 40%, se não houver mudança dessa pena. O Ministério Público está querendo aumentar para 90 anos, dizendo que a pena deveria ser somada pelas três mortes e pelo furto. O julgamento foi longo porque ela tinha bons advogados que recorreram, lutaram, apresentaram todos os recursos que puderam. Houve divergência na primeira turma, um colega entendeu que ela era inocente. Foi para a Câmara Criminal, que entendeu que havia indícios suficientes de autoria e materialidade. Ou seja, ela tinha um bom advogado que fez um bom trabalho. Todos somos iguais perante a lei, mas um advogado nesse nível luta muito mais ao favor da pessoa. Um pobre coitado não vai ter um advogado que interpõe todos os recursos possíveis. É uma realidade que todo mundo conhece no Brasil.

O senhor sempre recebeu bem advogados, o Ministério Público, é uma pessoa de fácil acesso. Dentro desse seu perfil, analisando as conversas vazadas que mostram uma relação do ex-juiz Sérgio Moro com procuradores da força-tarefa de Curitiba, viu excesso? Algo fora do normal?
Li todas as publicações dos vazamentos dos diálogos. Não vi nenhum diálogo que comprometesse a imparcialidade do ministro Sérgio Moro. Eu não anularia nenhum julgamento. Mas houve prejuízo moral, ficou feio para ele e para o pessoal da Lava-Jato divulgar que, nos bastidores, estavam conversando, combinando sobre provas. Não ficou bonito. Todo mundo sabe disso. Mas nada que comprometesse a lisura dos julgamentos.

O ex-procurador Rodrigo Janot passou por aquela polêmica dizendo que queria matar o ministro Gilmar Mendes. Por fim, o governador Ibaneis pediu a cassação da carteira da OAB de Jantot. O senhor acha que essa mão foi pesada demais ou tem que ser cassada mesmo?
Acho que toda autoridade, qualquer advogado, pode pedir ao tribunal de ética da OAB uma investigação da conduta do advogado para dizer se tem ou não condições morais para continuar exercendo a profissão. Porque, quando se fala de um advogado que comete uma ação errada, está se falando da OAB também. Então, o tribunal de ética pode examinar. Também quiseram cassar a carteira do Joaquim Barbosa, mas não foi cassada. E nós temos vários exemplos. Se houve mão pesada ou não, depende da avaliação do governador Ibaneis.

Lula teria direito a progredir deregime para prisão semiaberta, mas não quer. Ele pode fazer isso? Pode ser obrigado a sair da cadeia?
Já vi duas posições na doutrina. Alguns juristas acreditam que a pena deve ser progredida, e isso é uma etapa do cumprimento da pena, sem perguntar se a pessoa aceita ou não. Essa corrente entende que é obrigação. A outra diz que é um direito, é um benefício que pode ser recusado. Entendo que ele tenha direito de recusar. Tivemos o precedente da Suzane Louise Von Richthofen que recusou, e o Tribunal de Justiça de São Paulo, a Vara de Execução, concordou. Só não pode recusar quando termina a pena. A penitenciária não é hotel de cinco estrelas, o Estado gasta R$ 2.500 por mês para cada preso. É muito dinheiro.



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