Cidades

Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 11/10/2019 04:16
Os astros

Duvido da influência dos astros no nosso dia a dia. Sou cético em relação a isso e prefiro sempre acreditar na ciência, mas confesso: leio religiosamente um certo horóscopo escrito por uma astróloga americana chamada Susan Miller. Fui influenciado por duas amigas, devotas dela, a embarcar nesta aventura contraditória. Tudo começou como uma curiosidade com doses de sarcasmo e, quando dei por mim, tinha virado rotina checar as palavras de Susan sobre o meu signo.

Não é que eu veja aquilo e acredite que estejam ali previsões certeiras sobre o que me acontecerá. Passo longe desse comportamento, mas a leitura habitual me dá certos alívios. Tenho vergonha disso, não nego. Sempre fui contra livros de autoajuda, coachs e qualquer outro atalho fácil para lidar com a complexidade da existência e, no fim das contas, me entreguei a um dos mais banais.

Abro o aplicativo dela como quem abre aquele antigo exemplar de Minutos de sabedoria em busca de consolo e amparo. A impressão que tenho é de que, no fundo, estamos todos, o tempo todo, em busca de paliativos, de bálsamos instantâneos contra o absurdo da vida e dos nossos tempos. Nem sempre funciona. A maioria dos dias falha, ao menos para mim, mas sigo ali com alguma esperança nas notícias boas.

Fujo das estatísticas. Se for fazer as contas, o percentual de acerto de Susan na minha vida é baixíssimo. Nos últimos meses, segundo ela, troquei de emprego umas cinco vezes, fechei contratos milionários e viajei para destinos internacionais paradisíacos. Nada disso aconteceu. Minha vida, se eu descontar as fantasias diárias, é muito mais prosaica.

Só detesto quando Susan começa com o papo técnico sobre os astros. Acho horrível aquela coisa de mercúrio retrógrado, Vênus em Escorpião com um tenso aspecto de Urano em Aquário. Para mim, soa como aramaico, mandarim, húngaro ou, pior, como palavras sem sentido ecoando no ar. Então, pulo logo esses trechos e foco no que há de mais acessível ali.

Mesmo sem base concreta, gosto quando Susan diz que terei um dia bom. Ela tranquiliza meu lado dramático e pessimista, alguém dirá aqui que isso é porque sou de Câncer. Não deixa de ser autoengano, mas penso: por que não acreditar, pelo menos uma vez por dia, em desfechos felizes? A verdade é que a mentira dela ; posso chamar assim? ; faz parte, para mim, daquele tipo raro de engodo que cumprem um bom papel: o de ajudar a sobreviver.



Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação