Falta de estrutura, efetivo, equipamentos e espaço são alguns dos problemas que recém-eleitos conselheiros tutelares enfrentarão em 2020. Há uma semana, 155.609 brasilienses compareceram às urnas para escolher os representantes que têm a missão de garantir o respeito aos direitos de crianças e adolescentes no Distrito Federal. O Correio entrevistou eleitos para a função em Samambaia, em Ceilândia e no Gama. Todos se queixam de falta de investimento do Estado, da estrutura das unidades e da precarização dos serviços públicos oferecidos.
Os conselheiros têm mandato de quatro anos, salário de R$ 4.684,66 e carga de trabalho mínima de 40 horas semanais. Eles precisaram obedecer a uma série de critérios, como ter reconhecida idoneidade moral, passar por um teste de conhecimentos, comprovar experiência na área, ter mais de 21 anos e morar na região em que desejam atuar. A Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) administra os conselhos e, com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), fiscaliza as atividades.
Formado em gestão pública, Wallysson Lourenço, 33 anos, recebeu o maior número de votos para ser conselheiro tutelar no Gama. Ele ganhou as eleições em 2016 e vai para o segundo mandato. De acordo com Wallysson, há escassez de recursos essenciais para exercer um bom trabalho. “Falta estrutura, tanto de pessoal, quanto de recurso material. Às vezes, falta até combustível para atender às ocorrências. Além disso, no nosso conselho, não há paredes, apenas divisórias. Isso deveria ser mudado para dar maior privacidade ao atender as pessoas”, lamenta.
De acordo com ele, no Gama, as principais denúncias que chegam ao conselho são de ocorrências de abuso sexual, negligência dos pais e falta de transporte público, principalmente na zona rural. Para Wallysson, o atendimento é demorado inúmeras vezes porque as requisições feitas pelos conselheiros às instituições públicas não são atendidas dentro do prazo. “Em muitas situações, precisamos acionar o Judiciário, para que esses representantes do Estado possam responder administrativamente pela negligência e demora”, ressalta.
Ônibus
Wallysson destaca que, como conselheiro, tem objetivo de continuar garantindo o direito das crianças e dos adolescentes, requisitando os serviços públicos para atendê-los. Segundo ele, em muitos casos, as famílias tentam, inicialmente, recorrer ao Estado, porém, com a falta de atendimento, procuram os conselhos. É o caso de Mariane Suelen dos Santos, 35, moradora da Ponte Alta Norte do Gama, que precisou de ajuda para conseguir transporte escolar para os filhos.
“Durante quatro anos, eu andei quase quatro quilômetros, todos os dias, para deixar meus filhos na escola. Há poucos dias, por meio do Conselho Tutelar, consegui um ônibus para deixá-los próximo de casa”, conta. Desempregada e mãe de cinco filhos, Mariane percorria uma estrada de chão para conseguir levar as crianças para estudar. “Tinha uma parte do caminho que, por causa da lama, a gente passava com os meninos nas costas para eles não sujarem os pés”, lembra.
Mariane diz que diversas vezes pediu na unidade de ensino para que os filhos fossem contemplados com o transporte escolar, porém, conseguiu o benefício apenas quando procurou o Conselho Tutelar. “A gente não sabe que existe esse tipo de ajuda. Muitas mães também precisam desse serviço, e eu explico para elas como consegui. Agora, sei que posso contar com eles (os conselheiros)”, destaca.
Saúde e educação
Lucas Martins, 35, vai para o terceiro mandato no Conselho Tutelar em Samambaia. Formado em educação física, ele informa que, na unidade onde trabalha, um dos principais problemas é falta de efetivo. “A gente não consegue dar o atendimento devido à comunidade, porque temos pouca estrutura. Estamos em uma luta diária para conseguir uma nova sede. Precisamos de reconhecimento e investimento do governo.”
De acordo com Lucas, uma das principais demandas em Samambaia é de saúde pública. “Muitas pessoas vão ao posto (de saúde), por exemplo, em busca de psicólogos e fonoaudiólogos para os filhos. Como não conseguem, nos procuram”. Além disso, ele reforça que os conselheiros têm atuação forte nas escolas. “Nos colégios, buscamos prevenção. Mostramos que crianças e adolescentes têm direitos”, destaca.
Formada em direito, Thayline Soares, 28, ganhou as eleições para ser conselheira em Ceilândia e vai para o segundo mandato. Como os colegas de profissão, ela se queixa dos problemas estruturais da unidade. “Precisamos de mais segurança. Somos muito vulneráveis e, constantemente, recebemos ameaças”, reclama. Para ela, o ideal é investimento financeiro.
A conselheira ressalta que, em Ceilândia, uma das principais demandas da população é por vagas em escolas e creches. “A gente sempre requisita a vaga nas escolas, porém, muitas vezes, eles não cumprem a ordem. Por isso, precisamos ir à regional de ensino ou até a Secretaria de Educação. Vamos procurando os órgãos superiores até conseguir resolver. Quando necessário, acionamos a Justiça”, reforça.
Entre as ocorrências registradas no conselho de Ceilândia, Thayline diz que há muitas denúncias de violência sexual, maus-tratos e conflitos familiares. “Temos famílias em extrema situação de vulnerabilidade que, muitas vezes, não conseguem ser atendidas nos órgãos públicos e nos procuram”, disse.
Sucateamento ao longo dos anos
Criados em 1990, os conselhos tutelares atendem, diariamente, centenas de jovens em situação de vulnerabilidade. Chegam a esses órgãos as mais diferentes demandas. As primeiras unidades surgiram no Distrito Federal em 1992, idealizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde então, o serviço passa por um processo de sucateamento. Hoje, alguns conselhos da capital encontram-se com estrutura precária e sem alguns itens básicos para se manterem em funcionamento, como espaço e veículos.
Os conselhos acionam os órgãos públicos competentes quando identificam situações de ameaça ou de violação dos direitos das crianças e dos adolescentes. Entretanto, além dos problemas de estrutura, há dificuldade para conseguir resposta imediata dos serviços oferecidos pelo governo. Por exemplo, quando uma criança necessita de uma especialidade médica, o conselho aciona a Secretaria de Saúde. Como o serviço depende da pasta, que também enfrenta diversos problemas, o atendimento nem sempre é garantido.
Qualidade de vida
Apesar da precariedade do serviço, o atendimento nos conselhos ainda é capaz de mudar vidas. Em 2016, o bombeiro civil André Luiz Brito Dias, 30 anos, descobriu que o filho Lohan, 6, tem autismo. “A gente tinha suspeitas de que algo não estava certo, porque ele não falava. Quando meu menino começou na creche, nos acionaram e indicaram a procurar um médico”, conta o morador do Gama. Sem condições financeiras de custear o tratamento do garoto na rede privada de saúde, o homem procurou o serviço público, porém, não conseguiu resposta.
“Esperamos nove meses e não conseguimos médicos para ele. Uma professora me orientou a procurar o Conselho Tutelar, e conseguimos resolver essa situação”, lembra André. De acordo com ele, após ajuda dos conselheiros, Lohan conseguiu ser encaminhado a psiquiatras, neurologistas, terapeutas e para outras atividades. “Desconhecia o trabalho do conselho até então, mas abriu muitas portas para minha família. O custo desses médicos não cabia no nosso orçamento, e esse tratamento é essencial para o meu filho”, afirma.