;Não sei se é culpa do governo, devido ao desemprego, ou da sociedade, que está doente. Mas não dá para aceitar isso. Meu filho morreu por causa de um pouco mais de R$ 100, e eu nunca mais vou ser a mesma pessoa. Está doendo demais e nunca vai passar;, exclamou Waneide Maria de Souza, 46 anos, mãe do jovem assassinado em Águas Claras após tentar conter um assaltante. O filho, Rodrigo Souza Borges, 25, será lembrado por todos como uma pessoa trabalhadora, que sempre se dedicou a ajudar o próximo. Estudante de educação física, ele sonhava em dar aulas para crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A despedida ocorre hoje, às 11h, na Capela 6 do Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul.
O crime chocou os moradores de Águas Claras na noite da última quinta-feira, quando um homem de 37 anos entrou em uma farmácia na Rua 19 Sul e anunciou o assalto com uma mão embaixo da camisa, simulando estar armado. Quem estava próximo do local tentou segurar o acusado e impedir a fuga, mas acabou sendo atingido por golpes de faca. Rodrigo e um conhecido foram vítimas. O jovem acabou esfaqueado no peito e o amigo no braço. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) foi acionado e prestou os primeiros socorros aos dois. Aline Felix, 39, é moradora da região e acompanhou tudo. ;O Rodrigo repetia que não conseguia respirar, estava sangrando muito e todo mundo pedindo para ele ficar acordado;, disse. O criminoso foi alcançado por outros moradores, que o agrediram, e acabou detido.
A Polícia Militar impediu que o linchamento continuasse e solicitou atendimento do Corpo de Bombeiros para o acusado, que foi levado para o Hospital de Base e, posteriormente, à 21; Delegacia de Polícia (Taguatinga Sul). As duas vítimas também receberam socorro e foram ao hospital, mas o estado de saúde de Rodrigo já era delicado. Ele morava com a avó em Águas Claras, que ficou sabendo do crime por amigos do neto. ;O menino bateu na porta e disse que o Rodrigo tinha sofrido um acidente, mas não contou o que aconteceu de verdade, só chorou. Quando cheguei na emergência do hospital, o médico me disse que ia tentar salvá-lo, mas não deu;, lamentou Maria Vanda, 68 anos. A aposentada cuidava de Rodrigo desde que ele era bebê. ;Ele dormia do meu ladinho, falava ;vozinha, deixa eu deitar com a senhora;. E agora, sem meu neto, o que eu vou fazer? Não vou aceitar isso em nenhum segundo. Não aguento, minha vontade é sumir.;
Trabalho, filha e estudos
Rodrigo começou a trabalhar cedo. Ao sair do ensino médio, ele ingressou no Exército Brasileiro e se esforçou para ser um dos melhores da turma, como lembrou a avó. ;Ele ia para a Rodoviária às 5h da manhã para pegar o ônibus e não chegar no quartel atrasado. Tanto que ganhou honra ao mérito como um dos soldados destaque;, disse dona Maria. No currículo, as experiências comprovam o esforço. O jovem chegou a trabalhar como vendedor de uma loja de brinquedos, foi atendente em supermercados e passou por lanchonetes para dar boas condições à família. ;Eu não queria que ele trabalhasse como entregador, porque achava muito perigoso. Mas ele sempre se esforçou muito, me dava metade de todo salário para me ajudar e ainda tinha a filha, de dois anos. A única felicidade nossa vai ser ver essa criança e lembrar dele;, pontuou a avó. A bebê mora com a mãe, 17, e tinha um amor muito grande pelo pai, segundo Maria.
Cursando os últimos semestres de educação física, Rodrigo estava ansioso para se formar e poder seguir o sonho de dar aulas para crianças com deficiência intelectual. Para amigos, essa era uma característica marcante do garoto: cuidar de todos. ;Ele era um jovem que gostava de viver, sorridente, tranquilo e que se preocupava muito com os outros;, lembrou Dayo Luli, 27. A tia também destacou a alegria dele. ;Meu sobrinho deixa uma imagem de uma pessoa feliz que conquistava todo mundo com a bondade e o riso;, disse Carla Figueiredo, 41. Os familiares e amigos agora pedem justiça. O criminoso que vitimou Rodrigo está preso e vai responder pelo homicídio, pela tentativa de homicídio do outro esfaqueado e pelo roubo. ;Hoje sou eu que sofro, mas vi sábado passado a mãe do motorista de aplicativo sofrendo. Quero justiça não só para mim, mas para todas as mães que têm essa cicatriz da insegurança, porque está doendo demais e nunca vai passar. Nunca mais minha vida vai ser a mesma coisa;, lamentou Waneide Maria.
Desemprego x homicídio
Um estudo publicado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que o aumento de 1% na taxa de desemprego entre homens eleva a taxa de homicídios da população em 1,8%. A pesquisa analisa o grupo masculino por se tratar daquele com maior probabilidade de envolvimento com crimes, segundo diversos estudos. Dos 35,7 mil jovens assassinados no Brasil em 2017, 94,4% eram do sexo masculino. Para o pesquisador Daniel Cerqueira, um dos autores do levantamento, os resultados mostram que condições de acesso ao emprego devem ser levadas em conta nos diagnósticos e nas ações para a prevenção da criminalidade, principalmente para jovens. A pesquisa completa está disponível no site do Ipea.