postado em 19/10/2019 04:06
Tragédias brasileiras
;Ele sabia dos riscos, mas precisava trabalhar.; A fala de Ana Cléa Ferreira, dita no enterro de seu filho mais velho, Henrique, na segunda-feira passada, é de partir o coração e resume bem o medo e o desamparo que dominam dezenas de milhares de famílias brasileiras.
Aos 25 anos, Henrique se tornou motorista de aplicativo dois meses atrás. As corridas eram para complementar a renda da família, que mora em Samambaia, mas acabaram levando o rapaz rumo à morte. Na noite de sábado, ele mandou uma mensagem para a namorada não para marcar um encontro, mas para avisar que atenderia um chamado no Núcleo Bandeirante. Depois disso, não falou mais com a namorada nem com a família. Foi encontrado horas depois, estrangulado.Henrique encarou o perigo por necessidade. E é assim para muitos em um país cruel com seus trabalhadores. São 12,6 milhões de desempregados, segundo a última Pnad, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. E, entre os que dizem ter emprego, 41% não contam com carteira assinada.Num país com esses números, cada vez mais Henriques decidem sair às ruas, lançados à própria sorte, sem vínculo empregatício, sem remuneração suficiente, a não ser que os turnos sejam longuíssimos, sem certeza de nada. E cada vez mais Anas ficam em casa, aflitas, rezando para que seus filhos e netos voltem vivos para casa.
A morte de Henrique aperta o coração das famílias brasileiras porque hoje é difícil encontrar um brasileiro que não tenha um filho, uma irmã, um sobrinho, uma tia, o pai ou a mãe trabalhando como motorista de aplicativo. Só no DF, são 50 mil desses trabalhadores. E, a cada semana, ao menos dois deles são vítimas de um sequestro relâmpago.Esse número de trabalhadores não inclui os entregadores, ressalte-se. Entregadores como Rodrigo Souza, que, na última quinta-feira, acabou esfaqueado na rua enquanto trabalhava, após presenciar o assalto a uma farmácia em Águas Claras. ;Vou esperar ele voltar para casa todo dia;, disse ontem Maria Vanda, avó do jovem, que também tinha 25 anos e sonhava se formar em educação física para ajudar crianças com autismo. Mais uma tragédia brasileira. Quantas mais virão?