postado em 20/10/2019 04:07
[FOTO1];A falta que ela está fazendo é muito grande;...
;Não imaginamos que vai acontecer com a gente, na nossa família;...
;A gente tem que se conformar. Mas esquecer a gente nunca esquece;...
;Estamos destruídos, ainda mais da forma que foi;...
Os relatos de familiares que perderam uma pessoa querida de forma abrupta num feminicídio têm uma característica em comum: a crueldade sofrida pelas vítimas que morrem exclusivamente pelo fato de serem mulheres e a luta para lidar, todos os dias, com a dor da perda e a superação do luto.
;Cada membro da família teve um tipo de comportamento em relação ao que aconteceu. Lidar com o luto não é simples, até porque a gente não tem essa cultura da morte, isso não é falado, não acontece no dia a dia. A morte é um drama;, relata Samuel Corrêa, 53 anos, que retrata a realidade dele, como irmão, e dos parentes próximos, após cinco meses da morte da caçula, Débora Tereza Corrêa, 43. A professora era a então 13; vítima de feminicídio em 2019. Em 20 de maio, o assassino, Sérgio Murilo dos Santos, 47, tirou a vida da servidora na Secretaria de Educação, na 511 Norte, local onde Débora trabalhava, e em seguida suicidou-se. ;Existe um sentimento de inversão, um sentimento estranho, como se ela não tivesse ido no tempo certo;, analisa Samuel.
Enfrentar a ausência repentina de alguém não é um processo fácil de passar. É o que afirma a psicóloga Rafaelly Alencar: ;O primeiro sentimento que aparece é o de não acreditar no que aconteceu. O processo de lidar com o luto é diferente quando a morte é uma possibilidade, devido a uma doença grave, em comparação a casos de feminicídio, onde não há sequer chance de despedida da pessoa, gerando incômodo quando o ente vai embora de uma hora para outra;, explica.
A lembrança do dia em que foi avisado do falecimento da irmã ficou para sempre na memória de Samuel. ;Eu tinha chegado em casa vindo da faculdade e assistido a chamada num jornal local. Como Débora tinha mudado de emprego recentemente, nem suspeitei que fosse ela. Minha mãe me ligou uns cinco minutos depois com o relato. É uma notícia que desestrutura tudo, não existe um manual do que fazer;, relembra.
O estudante de psicologia inicialmente buscou ajuda com profissionais da área para lidar com o sofrimento. ;A Secretaria de Estado de Justiça e Cidadania do DF (Sejus) têm um projeto chamado Pró-Vítima, que oferece apoio psicológico às pessoas vítimas de violência e familiares. Fiz acompanhamento aproximadamente quatro meses. Isso foi determinante para que essa superação se desse de uma maneira razoável;, conta. Além disso, o irmão de Débora também buscou outros apoios como a união da família e o refúgio religioso.
Sentimento
Após cinco meses da tragédia, Samuel compreendeu que buscar explicações para o ocorrido não é produtivo. ;Perguntas como: por que ele fez isso? Por que Débora omitiu a questão da violência? O que eu poderia ter feito para evitar?, devem ser poupadas. Meu sentimento é o que vou fazer daqui para a sempre;, afirma.
Subsecretária de Apoio a Vítimas de Violência da Sejus, Juciara Rodrigues explica que o programa Pró-Vítima presta auxílio psicológico por meio de terapias a qualquer pessoa que necessita de suporte devido à exposição a diversas faces da violência. Segundo Juciara, há seis núcleos de atendimento no DF localizados na Estação Rodoferroviária (sede da Sejus), Taguatinga, Ceilândia, Guará, Paranoá e Planaltina. Desde o começo do ano até 4 de outubro, 1.523 pessoas receberam auxílio em alguma dessas unidades. ;Há um retrato claro de violência contra mulheres. Muitas delas desconhecem que têm instituições e equipamentos no DF para que tenham essa voz. Existe a importância de denunciar, cuidar do psicológico, então a gente tem incentivado para buscarem o nosso auxílio e que não tenham medo do enfrentamento;, destaca Juciara.
Houve 26 crimes do tipo contabilizados no DF em 2019, além de outro caso que é investigado como feminicídio. As marcas deixadas pelas tragédias afetam muito mais do que é possível dimensionar. A decisão de um homem tirar a vida de uma mulher deixa familiares, amigos e conhecidos inconformados. ;Por que digo que te amo e depois te mato? Sendo que eu podia te ver todo dia;, questiona Lucilene Veleiro, 33, auxiliar de serviços gerais, decepcionada com o crime que tirou a vida de Lilian Cristina, 25 anos. A jovem foi assassinada com duas facadas, em 12 de setembro, pelo ex-namorado Jhonnatan Neto, 36. Mãe de cinco filhos, ela foi a 20; vítima de feminicídio do ano no DF.
O acontecimento traz lembranças tristes para Lucilene. ;Não imaginamos que pode acontecer com a gente;, explica. ;Eu perdi 6kg esses dias, pois não consigo me alimentar lembrando da Lilian. Apenas agora que estou dormindo melhor. Ela era uma menina feliz e queria seguir a vida, criar os filhos. Aí alguém chega e a leva desse jeito;, chora.
A recordação dos bons momentos e a personalidade de Lilian são marcantes para quem fica. ;Ela era muito sorridente, podia ver a gente 10 vezes na rua, que sempre falava com a gente. Lilian gostava de viver livre;, lembra Lucilene.
O relato de Ana Lúcia Almeida, 37, sobre a perda da irmã Adriana Almeida, 29, assassinada a facadas pelo marido, Wellington Sousa, 37, é dramático. ;Éramos muito unidas. Ele (o assassino) não acabou só com a vida da Adriana, acabou com a vida da família toda. A minha família está destruída, as minhas irmãs não conseguem trabalhar, eu sou a única que ainda está de pé. A minha mãe ficou destruída, estou vendo a hora de eu perder a minha mãe;. Wellington está foragido desde que matou Adriana, em 30 de setembro. Ela foi a 24; vítima de feminicídio na capital do país.
Adriana deixou uma filha de 4 anos, que sente a falta da mãe diariamente. ;No dia, a criança deu uma crise, que ela via todo mundo no desespero e sorria, perdida, sem saber o que fazer. No dia do velório pela madrugada, ela chorava e pedia pela mãe;, relata Ana Lúcia. ;Tem momentos em que a gente não sabe o que falar para ela, a gente procurou um psicólogo para conversar;.
Ela afirma que Wellington sempre foi ciumento e obcecado pela esposa. ;Às vezes, eles brigavam e depois ele vinha com pedido de desculpas;, conta. A irmã faz um apelo. ;Eu peço para as autoridades nos ajudar, porque estamos vulneráveis, não sabemos onde ele está, vivia dentro da minha casa, conhece todas nossas rotinas. Ele sabe tudo sobre nós, e não sabemos nada dele, o que podemos esperar de uma pessoa dessas?;, indaga. ;Ele precisa pagar pelo que ele fez. A nossa vida acabou;, finaliza.
Atendimento Pró-Vítima
"A minha família está destruída, as minhas irmãs não
conseguem trabalhar, eu sou a única que ainda está de pé"
conseguem trabalhar, eu sou a única que ainda está de pé"
Ana Lúcia Almeida,
irmã de Adriana
Atendimento Pró-Vítima
; Sede: Estação Rodoferroviária, Ala Central, Térreo, Brasília, DF ; CEP 70.631-900.
; Guará: QELC Alpendre dos Jovens, Lúcio Costa, Guará, DF ; CEP 71.100- 045.
; Planaltina: Fórum Desembargador Lúcio Batista Arantes, 1; andar
; Ceilândia: EQNN 5/7, área especial C Ceilândia Norte, Brasília, DF ; CEP 72.225-540.
; Paranoá: Conjunto 3, Área Especial D, Parque de Obras, Paranoá ; DF, CEP 71.570-500.
; Taguatinga: Administração Regional de Taguatinga
As 5 fases do luto
As 5 fases do luto
A negação ; Quando a dor da perda é tão intensa, que não é possível ser percebida como real.
A raiva ; Quando questionamos: Por quê? Não acreditamos e nada nos conforta. Sentimos raiva.
A barganha ; Tentamos ;negociar; com Deus, pedimos que isso não seja verdade, fazemos promessas,
oferecemos sacrifícios
em troca da não morte.
A depressão ; É o momento da consciência que a perda é concreta, real. O vazio se instala, a pessoa não existe mais e
com ela se vão todos os sonhos, projetos.
A aceitação ; A fase final do luto. A aceitação a perda com paz e serenidade, sem negação ou raiva. O vazio é preenchido por lembranças positivas e resignação. Cada pessoa tem seu tempo para chegar a essa fase, o processo é único para cada um.
Por Valquiria Aguiar,
psicóloga clínica