postado em 22/10/2019 04:16
Os outros temas que me desculpem, mas no Brasil nenhum assunto rende tanto quanto o futebol. Todo mundo tem um pitaco sobre o universo da bola, até quem entende muito pouco ou quase nada como eu, um corintiano de pouca fé. Dia desses, numa das visitas anuais do meu pai a Brasília, ele se colocou a contar as peripécias de quando se arriscava, na juventude, como goleiro. Meu pai não é um sujeito de mentiras, mas não sei se acredito em tudo que ele disse enquanto conversávamos na mesa de bar.
Para começar, ele tentou de cabeça lembrar a escalação do famoso time B do Cisco ; apelido sacana para Aparecida de Minas, um distrito de Minas Gerais com lá seus 2 mil e poucos habitantes. Na zaga, foi dizendo animado, tinha o Quiabo. No meio de campo, o Coalhada. No ataque, o Linguiça. Perguntei logo se aquilo era um time de futebol ou um cardápio de um restaurante mineiro. Visualizei o estranho prato: Linguiças acompanhadas de quiabo e molho de coalhada. Não me apeteceu.
Diz meu pai que, em um dos clássicos disputados pelo time B do Cisco, Quiabo, um zagueiro elegante como o paraguaio Gamarra, deu um drible da vaca em uma vaca. As peladas eram disputadas num clima meio rural e o ruminante entrou em campo. Sem cerimônia, o beque classudo usou o recurso de jogar a bola para um lado e passar pelo outro, recuperando a pelota logo em seguida.
Fui pesquisar e vi que a origem do drible da vaca parece ter mesmo a ver com os clássicos das roças. E teria surgido dessa mesma maneira quando um jogador precisou se desvencilhar da danada e usou a artimanha. Depois, a jogada foi imortalizada por craques como Garrincha, que chegou a dizer que já teria várias vezes, quando amador, aplicado o artifício em animais. Penso, então, que, até esse ponto, a história do meu pai pode ser verdadeira, mesmo que Quiabo não seja Garrincha.
Empolgado, não sei se com as lembranças ou se com as cervejas que não costuma tomar, meu pai começou a falar sobre as principais memórias da trajetória como goleiro. Uma defesa no ângulo aqui, uma ponte espetacular ali, um gol do meio de campo. E até aí tudo bem. Eu o vi jogar. Não no auge. Mas com certa boa vontade, posso acreditar nos lances memoráveis. No resto, já não sei.
Certa vez, em uma partida num campo de terra batida, ele garante que tomou o gol mais esdrúxulo de toda a longínqua carreira. O autor da proeza não era humano, tampouco era um bicho. O artilheiro era um redemoinho, conhecido aqui pelas bandas de Brasília também como lacerdinha. Jura meu pai que a bola começou a ser carregada pelo vento e pela terra. No meio do rodopio, ele procurava a redonda e tentava detê-la sem sucesso. Quando a encontrou, meio humilhado, ela estava lá bem no fundo das redes.
Com o tempo, a vergonha do gol fantasma virou risada. Meu pai assegura: é tudo verdade. Será?