Cidades

Aposentados redescobrem a vida por meio do teatro, da dança e da música

Aposentados encontram nas manifestações artísticas, como teatro, música e dança, uma forma de melhorar a qualidade de vida depois dos 60 anos

Ana Maria da Silva*, Thais Umbelino*
postado em 23/10/2019 06:00
[FOTO1]Sempre há tempo para se reinventar. Teatro, dança e música são algumas atividades que a maior parte das pessoas costuma acompanhar como espectadora. Mas e quando você decide entrar em cena com 60 anos ou mais? Mesmo com a idade avançada, muitos idosos procuram adquirir nessas artes novas experiências e, por meio delas, transformar o olhar para a vida.

Foi em busca desse recomeço que Lúcia Pereira Ramos, 84 anos, decidiu ser atriz: ;Estar nos palcos é muito bom, pois permite que a gente se reinvente;. Ela conta que, apesar de fazer aulas há 14 anos, foi só depois da aposentadoria que decidiu entrar de verdade no meio. ;Um dia acordei e me perguntei o que iria fazer, mas não tinha nada. Nem uma conta pra pagar. Até disso senti falta;, lembra. ;É horrível essa sensação de vazio. A gente precisa fazer o que quer, não podemos ficar em casa, porque isso não satisfaz;, acrescenta.

A atriz conta que muitos colegas iniciaram as aulas por recomendação médica, já que o palco serve como terapia. ;Desinibe os alunos e auxilia o cognitivo também. Os neurônios ficam mais atentos, porque nós temos que decorar textos e marcações. E tem a socialização. Nós precisamos de amigos;, comenta. Ela ainda diz que, no início, sentiu um pouco de dificuldade, mas com o tempo se adaptou: ;Parece algo natural para o jovem, mas no começo nós temos uma certa dificuldade para representar. Fica algo meio formal, sem a naturalidade necessária;.

Lúcia participa do grupo de teatro do professor Túllio Guimarães, formado por pessoas acima dos 55 anos. Ele afirma que teve dificuldade em achar um texto que contemplasse pessoas da terceira idade, o que, segundo ele, ;não existia;. Então, veio a ideia de conversar com todos os alunos para entender como era a vida deles. ;Cada um foi me contando sua história e a partir daí eu escrevi o roteiro;, diz orgulhoso.

A peça, que recebeu o nome de O aniversário do espelho, fala sobre um grupo que se reunia todos os anos para comemorar o aniversário da um espelho com mais de 300 anos. A magia do artefato era revelar como a pessoa realmente era, sem máscaras. Para a celebração, a chefe da confraria fez um bolo em forma de reflexo do espelho, com ingredientes mágicos. Quem comesse um pedaço teria vida eterna. Mas era necessário disputá-lo. Vencia aquele que representasse uma cena da vida que retratasse a essência do que era viver. Ao final do concurso, porém, todos chegaram à conclusão de que a melhor idade é uma fase da vida e que não vale a pena ser eterno, pois é necessário viver o tempo que lhe cabe, com qualidade, amor e fazendo o bem.

Cura pela arte


A contemporaneidade tem trazido uma quantidade enorme de transtornos emocionais para os indivíduos, como estresse, depressão e isolamento. É necessário a busca por meios que possibilitem maior qualidade de vida. A especialista em Arteterapia Iara Machado conta que a arte é um desses instrumentos de cura. A profissional avalia que a prática facilita o contato com conteúdos intrapsíquicos e ajuda a promover o autoconhecimento e autotransformação. ;Quando alguém se expressa de alguma forma pela arte, concretiza um conteúdo inconsciente que pode vir de forma simbólica. A criatividade, quando bem aplicada em nossas vidas, tem o poder de promover a afirmação da individualidade e, consequentemente, da autoestima;, explica.

O poder da arte é retratado na realidade de pessoas como Marlene Pinto, 85. A aposentada se redescobriu por meio da música aos 65 anos. ;Eu perdi um filho que tinha 33 anos e depois disso eu não conseguia mais cantar. Voltei a entoar a voz no grupo de coral. Quando cheguei, eu automaticamente cantei. A gente se encaixa de qualquer forma, parece que o coração abre;, conta. O grupo faz parte da Associação dos idosos Paz e Amor do Cruzeiro Velho e, atualmente, tem 40 pessoas no coral. ;Nos reunimos uma vez por semana, todas as segundas. Tem gente que não participa porque acha que canta mal, mas no coral tem gente com todo o tipo de voz. Todos são importantes;, afirma Marlene.

A arte também foi essencial na vida de Maria Helenir More, 64 anos. A aposentada conta que, depois que decidiu parar de trabalhar, queria fazer algo que a animasse. Há cinco anos, ela conheceu a dança cigana por meio de uma amiga e não largou mais. ;Eu tenho facilidade com a manifestação artística e adoro o grupo. Me identifico mais com o estilo, porque tem coreografia. Antes de dançar, eu nem sabia andar direito;, diverte-se. A mudança foi notada por familiares e amigos. ;Todos falavam que a dança me deixou mais bonita. Diziam que antes eu andava curvada e que agora eu arrumei minha postura. Dizem até que estou mais elegante.;

A professora de dança Teresa Cristina Nuñes de Sá Moreira é uma das que percebeu a mudança de Maria Helenir. Ela conta que a aluna sempre foi uma pessoa alegre e que as aulas potencializaram essa característica: ;A Lena (apelido dado pela professora) acentuou as características que já são natas dela;. A docente dá aulas de dança cigana brasileira há 15 anos para a terceira idade. ;Alguns fazem coisas que muito jovem não dá conta. A arte ajuda tanto física quanto emocionalmente. Eu recomendo dança para tudo. Tenho vários casos de pessoas que saíram da depressão por conta dela;, aponta.

A dança cigana brasileira se assemelha à flamenca, mas possui características próprias. ;A cultura não apenas desenvolve a parte física e a parte psíquica/emocional como também promove o despertar de nossas essências, nossas energias mostrando a beleza do mundo sinestésico. Cada indivíduo tem uma experiência sensorial única;, explica Teresa.

A realidade de Maria Luiza Rossi, 66 anos, mudou completamente depois que começou a dançar. Sempre rodeada de amigos e atividades interativas, a aposentada conseguiu superar um câncer de mama que descobriu há três anos. ;Hoje a dança, para mim, além de hobby é meu sopro de vida. Fiquei carequinha, mas nem por isso deixei me abater. Ia para o baile com turbante, meus amigos perguntavam do porquê do pano na cabeça e eu dizia que era moda;, relembra. Depois da doença, a busca por aproveitar a vida se intensificou. ;Quando eu estou triste, o que me anima é a dança, hoje eu sou uma pessoa muito animada e feliz;, diz com um sorriso no rosto.

Na estrada

Alternando entre os gêneros rock clássico, soul e jazz, a banda On the Road é formada hoje por cinco integrantes. Alguns deles já estão na terceira idade, como é o caso do aposentado Roberto Bandeira Gonçalves, 66, que toca contrabaixo. De acordo com ele, a banda, que já tem mais de 10 anos de estrada, sempre foi uma paixão. ;Quando somos jovens, queremos fazer tudo o que não pode. Quando chega certa idade, fazemos tudo o que está ao nosso alcance. Mas no momento que a banda está, a gente faz o que gosta;, frisa.

Roberto pondera para que ;tudo na vida tem seu tempo; e que, muitas vezes, é preciso reconhecer os limites. ;A gente vai se adaptando. Às vezes, você vê que está ficando velho, que os dedos já não estão acompanhando mais a música, e então baixamos o beat;, brinca. O aposentado Edgar Otero Silveira, 58, também faz parte da banda, tocando guitarra. Ele afirma que a música entrou em sua vida aos 14 anos e que, desde então, nunca deixou de tocar. ;Depois da aposentadoria, eu me dediquei ainda mais e passei a estudar;, detalha.

Para Edgar, a música sempre foi a válvula de escape dos trabalhos diários. Ele explica que, com a banda, encontrou seu momento sagrado e, com isso, ficou mais feliz. ;Minha esposa sempre fala que a música me renovou, me tornou mais jovem. Ela melhorou o meu astral;, confessa. ;A música é uma parceria para o resto da vida. Mudou minha vida.;

*Estagiárias sob supervisão de Fernando Jordão

Onde fazer atividades

Associação dos idosos Paz e Amor do Cruzeiro Velho

; Quadra 1, Bloco A ; Cruzeiro Velho
; Contato: (61) 32331440

Grupo Deusas da Lua
Aulas de dança cigana ministradas pela professora Teresa Cristina Moreira

; Contato: (61) 99679-1303
; teresacnsm@gmail.com

Grupo Mais Vividos (GMV)

; Oficina de equilíbrio: terças e quintas, das 8h30 às 9h30
; Oficina de memória: terças, das 10h às 11h e quintas, das 14h às 15h
; Happy Hour, às quartas, a partir das 19h.
; Endereço: Sesc 913 Sul ; W4 Sul, Quadra 713/913, Lote F
; Contato: (61) 3445-4400 / 3445-4401

Grupo Viva a Vida
Iniciação teatral para pessoas acima
de 55 anos com o professor Túllio Guimarães

; Endereço: Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, SDS Bloco C, Edifício FBT
; Valor: R$ 150
; Contato: (61) 3322 4147

Projeto Tercidade CCBB
O Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) promove na próxima terça-feira o projeto Tercidade com o intuito de encarar o processo de envelhecimento de forma ativa, trazendo atividades multidisciplinares, com foco, em especial, nas artes. Idealizadora do projeto, Michele Milani explica que as ações do Tercidade são multidisciplinares. ;Cremos que a música, o teatro, a poesia e a dança têm o poder de resgatar pessoas, autoestima, conhecimento e bem-estar;, afirma.

Programe-se

Terça ; 29/10

; 9h às 9h30: Aquecimento lúdico e jogos teatrais com Jones Abreu Schneider
; 9h30 às 10h30: Aulão de meditação e presença com Victor Hugo Uchoa
; 10h30 às 11h: Jogos Teatrais com Jones Abreu Schneider
; 11h às 12h: Palestra Alimentação Saudável com Pollyana Dias
; 14h às 17h: Oficina de Teatro para Melhor Idade, Jones Abreu Schneider
; 17h às 18h: Palestra de Comunicação e Longevidade com Ricardo Mucci
; 18h às 19h: Pocket Show de Célia Rabelo

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