Cidades

''Fere a Constituição'', diz procuradora-chefe do MPT/DF sobre agrotóxicos

Em entrevista ao CB.Poder desta quarta-feira (30/10), Valesca de Morais, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho do DF e Tocantins, criticou o excesso de pesticidas liberados apenas em 2019

Thaís Moura*
postado em 30/10/2019 17:56

[FOTO1]Mais de 380 agrotóxicos foram liberados no Brasil nos primeiros 10 meses de 2019, segundo dados do Ministério da Agricultura. Desse total, 57 foram registrados no início do mês. Os números, que já se aproximam do total de agrotóxicos liberados no ano passado inteiro (450), acabaram reacendendo a discussão do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre o uso desses produtos. Em entrevista ao CB.Poder desta quarta-feira (30/10), programa do Correio em parceria com a TV Brasília, a procuradora-chefe do MPT do DF e Tocantins, Valesca de Morais, afirmou que a liberação "indiscriminada" dos pesticidas fere frontalmente a Constituição Federal. Ela também discorreu sobre o papel exercido pelo órgão para conter a grande quantidade de registros e sobre a situação atual do trabalho infantil no DF.

Segundo a procuradora, o MPT do DF instaurou e coordena um fórum próprio de combate aos impactos dos agrotóxicos e transgênicos com o objetivo de preservar os "direitos fundamentais para a saúde do meio-ambiente". "A ideia é unir forças entre aquelas instituições que têm o mesmo objetivo de preservação desses direitos fundamentais para a saúde do meio-ambiente e potencializar as nossas ações", justificou Valesca de Morais.

Ela também reforçou que há um descumprimento "frontal" à Constituição Federal na forma com que o governo tem se posicionado e agido em relação aos pesticidas. "O nome disso é falta de responsabilidade na sua atuação, porque um governo responsável é aquele que faz cumprir a lei maior de um país. E a lei maior de um país diz que o direito à vida, o direito à saúde e o direito ao meio-ambiente do trabalho equilibrado são direitos fundamentais, e eles são fundamentais porque eles são essenciais à vida humana", defendeu. "Qualquer gestor, seja de que instância for, seja o presidente da república, um governador, um prefeito, até mesmo a sociedade tem que trazer para si essa responsabilidade de denunciar, de exigir modificações. Essa é a responsabilidade que cada gestor tem que ter."

Na avaliação dela, ainda é preciso que haja uma maior conscientização sobre o uso de equipamentos de proteção individual por parte daqueles que trabalham diretamente com os pesticidas. "Mas essa conscientização deve ser de toda a sociedade. A responsabilidade do empregador não é de apenas dar esses equipamentos de proteção. Essa conscientização deve ser da sociedade, das empresas, e do próprio trabalhador na utilização dos equipamentos", ressaltou a procuradora. Caso determinada empresa não cumpra as regras trabalhistas, sem a fiscalização adequada, o MPT deve investigar as causas, mediante um inquérito civil. "Verificando que ela (empresa) descumpriu uma obrigação que na verdade é uma obrigação legal, nós vamos oferecer que ela assine um termo de compromisso, de ajuste de conduta, ou caso ela não se oponha, ajuizar uma ação civil pública."

Ainda de acordo com a procuradora-chefe, as notícias acerca do descumprimento de tais regras, que regulam o trabalho com agrotóxicos, cresceu nos últimos meses. "O que estamos recebendo mais são notícias de fatos, ou seja, notícias de descumprimento, não apenas de não utilização de equipamentos de proteção individual, mas por exemplo, de trabalhadores dizendo que a pele apareceu machucada, que a respiração está com dificuldade, e que isso provavelmente decorre da utilização indevida em determinado local de agrotóxicos. Com isso, essa investigação precisa seguir os ritmos de um inquérito civil", esclareceu. "A nossa luta é para que essa substância seja utilizada sempre na quantidade correta, e não infrinja a saúde do trabalhador, sem ser um prejuízo ao direito fundamental à vida, na última instância", acrescentou Morais.

Trabalho infantil

Outro tema que levantou discussões em diversas instâncias esse ano foi o do trabalho infantil, após o presidente Jair Bolsonaro, no início de julho, afirmar que o trabalhador "aprende a dar valor ao dinheiro desde cedo quando se trabalha". Na época, o presidente negou defender o trabalho infantil, mas usou seu próprio exemplo para dizer que, mesmo trabalhando "desde os 8 anos de idade", não foi prejudicado de nenhuma forma. A respeito do assunto, a procuradora-chefe do MPT do DF e Tocantins declarou, na entrevista desta quarta-feira, que o trabalho infantil "é o símbolo maior da miséria" no Brasil.

"Experiências pessoais não devem pautar políticas públicas. O trabalho infantil só traz prejuízos à nossa sociedade, ele é o símbolo maior da miséria em nosso país. A nossa Constituição Federal é muito clara ao dizer que é proibido qualquer trabalho antes dos 16 anos de idade. E entre os 16 e 18 não é permitido trabalho noturno, trabalho perigoso, trabalho insalubre", reforçou a procuradora.

Ela também enfatizou que apenas o trabalho de aprendizagem é possível e permitido a partir dos 14 anos. "A aprendizagem é um contrato de trabalho formal de aprendizagem para que aquele adolescente possa de fato aprender um ofício. A luta do MPT é fazer com que, de fato, todas empresas cumpram sua reserva, sua cota legal de aprendizes, e cumpra sua responsabilidade social, que é fazer com que esses jovens entre 14 e até 24 anos façam a aprendizagem. É um contrato com prazo determinado de dois anos, um contrato que só traz benefício. É uma forma de dar concretude a profissionalização, e é uma importante ferramenta de combate ao trabalho infantil", explicou.

De acordo com Valesca de Morais, hoje, no DF, existem cerca de 16 mil crianças na faixa etária entre 5 e 17 anos na condição de trabalho infantil. No entanto, ela constata que, por causa da dificuldade de mapeamento, esse número pode ser ainda maior. "Aqui no DF os tipos de trabalho infantil são dos mais perigosos. O trabalho infantil doméstico e o trabalho infantil informal, os com maior frequência aqui no DF, são de difícil mapeamento, de difícil constatação, porque você tem o princípio da inviolabilidade do domicílio, não se pode entrar na casa de ninguém para saber se tem adolescente trabalhando lá dentro. E no trabalho infantil informal, aquele feito nas ruas, há uma migração do trabalho, de uma rua para outra, para outro bairro, e aí se perde o mapeamento. Então pode ser que esse número de 16 mil seja um subnúmero do número de trabalho infantil", comentou.


*Estagiária sob supervisão de Roberto Fonseca

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