postado em 01/11/2019 04:07
Tribunal dos coleguinhasGrupos de amigos têm a capacidade de transformar qualquer ínfimo acontecimento em uma questão fundamental. Não importa o lugar. A lanchonete do trabalho, a mesa de bar, o café, tudo é cenário para infindáveis discussões sobre os problemas dos colegas. Em alguns casos, a coisa ganha contornos épicos.
Eu presenciei isso, dia desses, aqui mesmo no jornal. Um repórter, cujo nome preservarei para o bem da integridade dele, caiu no erro de pedir a opinião sobre algo que tinha feito. O rapaz saiu com a ex em uma sexta-feira. Diz que tomaram umas cervejas, conversaram sobre assuntos complexos e nada mais. A atual namorada, que ficou em casa sozinha com a Netflix, não gostou nada da atitude do moço.
Garanto que não foi preciso muito tempo para o caos se instalar na cantina onde o grupo de amigos costuma almoçar e bater papo enquanto desanuvia a cabeça depois dessa notícia. Formou-se rapidamente um tribunal. Estava lá o colega ao centro do ringue sendo avaliado, julgado e questionado por ferrenhos e impiedosos jurados.
Era incrível como quase ninguém concordava com ele, de modo que, olhando agora, me parece que não foi respeitado o direito de ampla defesa. Mas, eloquente que é, o jovem cuidou de batalhar pelos próprios argumentos. A amizade, diz, não acabou com o término do namoro, que teve fim no longínquo ano de 2010. A fidelidade, assegura também, é um valor, para ele, inquestionável. Portanto, não haveria razões para que o encontro deixasse de se concretizar.
A tentativa de reforçar a tese foi longe. Ele buscou referência em um filósofo russo-britânico do século 20, Isaiah Berlin. O pensador defende que o homem moderno precisa lidar com conflitos de bem e bem ; o que me lembrou um pouco certa música de Roberto Carlos ; e não mais com o maniqueísmo de uma luta entre bem e mal.
Lá no fundo, disse o moço, era exatamente esse o caso que se passava, um conflito entre o bem e o bem. Ele faria o bem se não tivesse ido encontrar a ex porque deixaria a atual feliz. Por outro lado, também fez o bem ao escolher rever a antiga amiga e confortá-la em um momento de necessidade. O tribunal do júri fez cara de que não concordou.
Ao ver que a situação não se encaminhava para um desfecho favorável, apesar de tudo, ele decidiu que buscaria ajuda. Sem amigos para ampará-lo na questão, afirmou que contratará um famoso advogado da cidade e que não se pronunciará mais sobre o caso. Fui tirar uma dúvida sobre a história para escrever esta crônica e ele me pediu que procurasse a sua assessoria de imprensa.
Não obtive respostas até o fechamento desta edição. E o julgamento, com ares de caso do ano na editoria de Cidades, continua, ao que tudo indica, a caminho de uma impiedosa condenação para o rapaz.