Cidades

Feminicídio é uma epidemia

Ao CB.Poder, a parlamentar chama a atenção para a necessidade de debater políticas públicas e aprovar projetos capazes de enfrentar o machismo e suas consequências. Ela revela, ainda, ter sido vítima de um comentário constrangedor na Câmara

Correio Braziliense
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postado em 05/11/2019 04:07
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A deputada federal Flávia Arruda (PL/DF) integra a maior bancada de mulheres eleita na história da Câmara dos Deputados: 77 parlamentares. Em entrevista ontem ao CB.Poder, parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília, Flávia detalhou a luta para incluir na Casa pautas femininas, com debates e projetos voltados ao combate à violência contra elas. ;A mulher também participa ativamente da política. Primeiro, a gente tem de trabalhar culturalmente isso (machismo). Acho que a gente tem de colocar esses agressores com a cara estampada, têm de ter vergonha do que estão fazendo;, defendeu.

Ela revelou, inclusive, que sofreu um constrangimento na Câmara dos Deputados durante reunião do próprio partido. Na ocasião, recebeu um elogio indevido de uma autoridade que dava uma palestra. ;Ele parou, me olhou, e disse: ;Nossa, que moça bonita. Aí, o deputado que estava comigo, um grande amigo, na mesma hora, falou: ;Moça, não. Ela é deputada, casada e competente;. Ele ficou sem rumo;, contou. Confira abaixo os principais trechos da entrevista dada ao programa.

O que precisamos fazer para conter esses números de feminicídio?
Infelizmente, nós chegamos ao 29; feminicídio no DF. Feminicídio é uma epidemia. Eu presido, na Câmara Federal, a Comissão de Combate à Violência contra a Mulher e Feminicídio e tenho escutado relatos estarrecedores. A gente vê que o machismo ainda impera. Acho que é preciso combater mais esse machismo arraigado na sociedade, esse sentimento de posse dos homens, que não permitem que as mulheres, muitas vezes, ou trabalhem, ou deixem a casa, ou a relação. Então, a quantidade de ações que a gente tem de fazer são inúmeras e coordenadas. Nós temos feito várias audiências públicas, inclusive, a última foi sobre a importância do papel da imprensa nessa divulgação, porque a gente tem sempre aquela questão: aumentou o número de feminicídio ou as pessoas estão denunciando mais? Acho notório o aumento que tem tido.

O machismo é uma formação cultural. Como se muda isso?
É urgente. Eu tenho falado muito isso e propus que a gente vá para dentro das escolas. Tirar dessa cultura machista todos os conceitos e preconceitos. O Brasil é, ainda, um país machista e patriarcal. Ontem, nós celebramos a conquista do voto feminino, que é recente, pouco menos de 80 anos. A mulher conquistou o direito de mudar, mas, pouco depois, ela só podia sair para votar se o marido permitisse. Hoje não, a mulher também participa ativamente da política. Primeiro, a gente tem de trabalhar culturalmente isso (machismo). Acho que a gente tem de colocar esses agressores com a cara estampada, têm de ter vergonha do que estão fazendo. Não podem achar que é natural, que é comum: ;Ah, quem manda na minha casa e na minha relação sou eu;. Então, a gente precisa combater isso com medidas efetivas.

Com relação à profissionalização das mulheres (vítimas de violência), como está a situação no DF?
A gente tem procurado parceria. O sistema de assistência social nos ajuda muito com cursos profissionalizantes, cursos técnicos, e a sociedade civil também. Nas minhas emendas, eu destinei uma parte delas para associações que fazem esse serviço. Nós sabemos que esse ainda é um dos maiores problemas intercalados à violência doméstica: as mulheres que não têm autonomia financeira, não têm independência e, às vezes, nem mesmo a autoestima de saber que pode recomeçar, que pode sair disso. Acredito, pessoalmente, que todos os dias que a gente liga a televisão e vê mais uma mulher morta é uma sensação de se pensar: até quando? Até quando vão ficar nos matando? A gente tem de enfrentar isso e cada vez com mais força, afinco e indignação. Não podemos perder a capacidade de se indignar cada vez que uma mulher é morta. A gente tem de, além de tudo, ser mais rigorosos na aplicabilidade de leis, e falar sobre isso.

Esses homens que batem em mulher podem aprender que é um crime?
O tribunal aqui do DF tem um projeto para esses homens e parece que tem tido um índice bom de ressocialização. Porque nós não podemos deixar de pensar no agressor, porque, muitas vezes, também tem pessoas doentes. Quando a gente falou em tirar a arma do agente público que bate em mulher, é porque é uma medida mais rápida. O homem que bate em mulher não pode andar armado, porque o próximo passo é matar.

Na sua opinião, a CPI do Feminicídio do DF contribui de alguma forma para solucionar esses casos?
Eu, pessoalmente, não sou muito adepta. Eu acho que a CPI, muitas vezes, é utilizada para ataques pessoais, e para se promover também. Então, eu acho que a gente precisa tratar do tema diretamente. A gente não pode perder o foco do enfrentamento, do combate direto, do dia a dia, de lidar com os problemas. Quem sou eu para julgar? Mas deve ter algum motivo para essa CPI lá na Câmara Legislativa.

Nós temos homens, representantes políticos que trabalham com o tema, mas, no dia a dia, em um comentário, reproduzem comportamentos machistas. Como enfrentar isso?
Hoje, na Câmara dos Deputados, nós temos uma bancada histórica de 77 mulheres. Acho um avanço, mas o machismo é o que mais reina lá. Às vezes, é tão cultural que eles nem percebem o tipo do comentário. Aconteceu comigo. Nós estávamos em uma reunião com alguns deputados do meu partido e tinha um personagem que estava lá dando uma palestra, explicando sobre um tema importante que vamos enfrentar sobre essas reformas. Quando ele terminou a fala, e eu cheguei quase no final, fomos cumprimentar a pessoa. Ele parou, me olhou, e disse: ;Nossa, que moça bonita. Aí, o deputado que estava comigo, um grande amigo, na mesma hora, falou: ;Moça, não. Ela é deputada, casada e competente;. Ele ficou sem rumo.

Há acessibilidade para avançar esses projetos com a pauta feminina?
Quando o tema é mulher e social, as mulheres se unem suprapartidariamente. Há pouco tempo, a gente teve, infelizmente, uma mulher propondo a diminuição ou a retirada das cotas, dos 30% (para candidatas nos partidos). A gente se uniu, levou para a comissão da mulher, derrubamos e não vai passar. Sobre as cotas, eu acho que são discriminatórias, mas porque existe o preconceito. As cotas para negros existem, porque existe racismo. Então, eu acho que elas são educativas. Não acho que devem ser permanentes. A gente precisa disso por um período. Tirando essa discussão das candidaturas laranjas, que foi um problema da última eleição, muitas mulheres querem participar da política.


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