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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 05/11/2019 04:07
Mais Brasília, mais Brasil

Nelson Rodrigues escreveu que o que nos distingue na condição de humanos é a capacidade de nos espantarmos. Sem isso, corremos o risco de perder a humanidade e o senso do absurdo. Podem nos apresentar uma ratazana em uma bandeja que a receberemos com o mesmo ar de normalidade. A observação do nosso profeta do óbvio nunca me pareceu tão atual quanto no momento em que vivemos. As coisas mais estapafúrdias se normalizam.

Vamos ao caso concreto da frase proferida desde os debates de campanha pelo ministro da Economia e, em seguida, transformada em slogan: ;menos Brasília, mais Brasil;. A sentença foi recebida com certa euforia, como se fosse algo muito inteligente e justo. Mas um rápido exame da história é suficiente para constatar que se trata de uma afirmação vazia, inconsistente e ignara de quem desconhece completamente a história de Brasília e do Brasil.

Brasília foi concebida como um projeto de Brasil e não como ilha da fantasia. Brasília é Brasil. O concreto da utopia rachou e muitos ideais não se realizaram ou estavam simplesmente equivocados. No entanto, mesmo assim, Brasília cumpriu e cumpre a meta de mudar o eixo do desenvolvimento, interiorizar, conectar os vários brasis, buscar a solução para as questões fundamentais e permitir aos políticos uma visão mais ampla dos desafios do país.

O problema é que as excelências da classe política não estão à altura de Brasília. E também que a cidade não pode se manter alienada de sua condição de
capital. Precisa botar o bloco na Esplanada nos momentos cruciais da história, como fez em vários momentos em face de situações absurdas. É dessa maneira que a cidade representa o Brasil.

JK dizia que Brasília proporcionaria tranquilidade para tomar as grandes decisões. Estava equivocado nesse quesito. As nossas excelências não funcionam bem com serenidade e paz interior. Elas precisam sentir a pressão dos cidadãos nas avenidas, o grito dos eleitores nas galerias e o calor das manifestações bem próximo do corpo para agirem com um mínimo de decência e consciência do interesse coletivo.

O slogan ;menos Brasília e mais Brasil; se esfarelou no episódio do vazamento de óleo ao longo das praias do Nordeste. Somente 40 dias depois do primeiro sinal de petróleo cru no mar, o governo começou a se mexer.

A reação lenta e o desmonte dos órgãos de fiscalização agravaram ainda mais a maior tragédia ambiental brasileira em extensão. Existe a apreensão de que as manchas de óleo alcancem o Rio de Janeiro e outros estados do
Sudeste. Menos Brasília é menos Brasil. Mais Brasília é mais Brasil.



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