Jornal Correio Braziliense

Cidades

Pioneira do movimento negro no DF aposta na arte para manter cultura viva

Pioneira do movimento negro em Brasília, Lydia Garcia aposta na arte para manter viva a cultura de seus ancestrais

[FOTO1]Pioneira da militância e ativismo negro no Distrito Federal. É dessa forma que Lydia Garcia, 82 anos, é conhecida por muitos. Ainda em meados de 1960, no início da construção de Brasília, a carioca decidiu vir à capital e continuar a trajetória de luta e garantia de direitos da população negra no Brasil.

Assim que chegou à cidade, com 22 anos, Lydia se casou com o artista plástico Willy Mello e, com ele, teve cinco filhos. Em Brasília, viu a oportunidade de continuar o árduo trabalho de conquistar equidade entre as pessoas.

A carioca foi uma das primeiras moradoras da quadra 709 Sul. De acordo com ela, a localização era comum para pessoas envolvidas no mundo da arte, como Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, que, por muito tempo, foram vizinhos. Desde a década de 1960 até hoje, Lydia vive na mesma residência. Por isso, sua casa é considerada um museu da arte afro, com cada item de decoração representando um fragmento da cultura africana.

;As pessoas consideravam a minha casa a primeira embaixada da África em Brasília. Era muito comum recebermos alunos africanos. Era uma forma de militância e de inclusão;, destaca Lydia.

Carreira

A relação da carioca com o universo das artes e da música começou desde criança, com apenas 8 anos de idade. Apaixonada por piano, formou-se em música pelo Conservatório Brasileiro de Música. Pouco depois de chegar a Brasília, Lydia começou, em 1964, a dar aulas de piano e técnicas de voz e instrumentos na Escola Parque da 308 Sul. Lecionar tornou-se, mais uma vez, um exercício que englobava a rotineira caminhada pela luta afro; afinal, ela foi a primeira professora de artes negra da rede pública no DF.

A discriminação no ambiente de trabalho foi recorrente durante toda a carreira de Lydia. Entretanto, a dificuldade que enfrentava como minoria a incentivou a ;mostrar sua identidade, sua força e defender quem é;. Segundo a carioca, o constante racismo deu a ela mais forças para não desistir de militar pelo que acredita.

Nas salas de aula, a professora buscava ensinar, além da teoria musical, as crianças negras a ;defenderem o seu espaço; e, para isso, ela acreditava que a melhor solução era um ;momento de discussão sobre diferenças, aceitação e respeito;. Para Lydia, era fundamental que as crianças, desde cedo, fossem apaixonadas pelo que enxergassem ao se olhar no espelho.

;Eu sempre quis mudar o país, mas não se faz nada sozinho; Precisamos juntar forças para continuar lutando, dia após dia;, contou Lydia ao falar sobre a necessidade de pessoas se apoiarem por uma causa em comum.

Ainda em sala de aula, Lydia buscava contextualizar as questões de sua disciplina com o real processo de independência da África. Segundo ela, ;os livros didáticos mostram a história contada pelo ponto de vista europeu e não dão espaço para que a verdadeira memória da luta africana seja ensinada;.

Após anos atuando na rede pública, a pianista optou por prosseguir a militância em movimentos de luta pela cultura negra no DF ao participar de eventos como a 1; Semana de Estudos Afrobrasileiros e o 1; Festival Latino-Americano. Pouco depois, começaram a eclodir diversos atos de manifestação no país. Lydia não ficou de fora e participou da criação e consolidação de iniciativas como a Fundação Cultural Palmares.

;Nós trabalhamos para exaltar artistas, escritores e personalidades negras. Estamos em busca de mais valorização do nosso povo. Mas, mesmo assim, levamos pontapés diversas vezes, quando somos excluídos e discriminados;, disse a artista.

Além disso, há 28 anos, Lydia criou o Bazafro. A proposta da marca é inserir a cultura africana à moda. Por isso, abriu um ateliê, na própria residência, onde expõe peças de roupas inspiradas na tradição afro e produzidas com tecido africano.

Vida pessoal

Desde a primeira gravidez de Lydia, em 1960, a vontade de transformar toda uma geração em pessoas mais conscientes a respeito da história africana era intensa. Em função disso, ela e o marido, Willy Mello, conhecido como Olu Mello, decidiram que, a partir daquele momento, todos os nomes escolhidos para os filhos seriam de origem africana. Kenya foi o primeiro nome escolhido. Em seguida, nasceu Mali, Ialê, Kwame e Luena.

A ideia de valorização dos nomes africanos se deve à necessidade de ;preservar a identidade; e, de acordo com Lydia, foi a forma que ela e o marido encontraram de mostrar a verdadeira origem da família. Além disso, ela conta que a iniciativa influenciou diversas famílias a seguirem a mesma proposta.

;Minha família sempre esteve envolvida com a militância contra o racismo, desde que meus filhos nasceram. Hoje, tenho 11 netos e todos fazem parte do movimento negro e estão ligados de alguma forma à arte. Por exemplo, Hodari e Aori são compositores de rap, Aisha é modelo e DJ, e Yaminah é do universo da MPB;, completa Lydia.

A artista lembra ao Correio sobre um dos aniversários da filha Mali, quando criança, que escolheu o tema ;cultura africana; para a decoração da festa na escola. Ela acrescenta que a família ;foi para a escola com vestidos de tecido africano, ao som de músicas de dialeto e com direito à decoração completa.;

Quando questionada sobre a importância do ativismo, Lydia assimila o sentimento pela militância a ;uma raiz que deve ser regada todos os dias para que se fortifique. Por isso, é preciso que, desde a infância, seja ensinado o valor da luta, da identidade, do respeito, da cultura e da religiosidade;.