postado em 07/11/2019 04:16
[FOTO1]Brasília convive com um problema social, de saúde e de segurança pública que atinge as regiões administrativas e é facilmente encontrado no centro da capital. De esfera individual e coletiva, o consumo de crack afeta cerca de 1,4 milhão de pessoas entre 12 e 65 anos no Brasil, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)). A droga é conhecida pelo potencial para viciar no primeiro uso, o que gera destruição física e psicológica no dependente e nos familiares. Quem está inserido em sociedades com esse problema também fica sujeito a crimes como assaltos e furtos de pessoas viciadas em busca de mais droga. O Estado, por sua vez, acumula gastos em hospitais e delegacias, por exemplo, por causa da dependência. As soluções parecem distantes, mas a prevenção e o diálogo entre órgãos pode ser um caminho, de acordo com especialistas ouvidos pelo Correio.
Além das dificuldades governamentais, quem vive de perto a destruição provocada pelo crack enfrenta a barreira do preconceito. ;Ninguém quer defender a causa dos usuários de droga, eles são tratados como se não fossem seres humanos. Os parlamentares gostam de falar de temas como a educação, as pessoas gostam de ouvir coisas bonitas, e todos acabam deixando uma discussão importante de lado. Eu tive um parente próximo que se viciou em crack, e a família ficou sozinha na luta;, relata Pedro Paulo Silva, 59 anos. O produtor de eventos conhece bem o caos de um lar que abriga alguém com dependência de uma substância tão pesada. ;De repente, tive notícia de que um ente querido, jovem e que sempre estudou nos melhores colégios particulares de Brasília estava na rua. Vi quem eu amava largado, fedendo, em um estado que eu nunca pude imaginar;, lamenta.
A família de Pedro viveu problemas diversos por conta desses vícios, algo semelhante ao cenário mais amplo, do combate à droga no DF. ;Da mesma forma que o Estado passa a ter dificuldade de lidar com isso nas áreas de saúde, segurança e assistência social, por exemplo, quem acompanha um viciado tem problemas psicológicos, físicos e em tudo o você que pode imaginar. Mãe, pai, avós, tios e até cachorros adoecem juntos, porque isso é devastador, a pessoa entrega a alma pelo crack.; Hoje, Pedro comemora 11 anos de sobriedade do parente e organiza um evento de conscientização sobre o uso dessa droga na capital (veja Corrida), mas não deixa de ressaltar que essa conquista é bem mais difícil para uma família com dificuldades financeiras. ;Acompanho essa causa há mais de uma década e sei que o atendimento público quase não existe;, opina.
Saúde
Uma das pastas do Governo do Distrito Federal (GDF) que mais sentem os efeitos negativos do grande número de usuários de crack em Brasília é a Secretaria de Saúde. Além dos atendimentos em hospitais, unidades de pronto-atendimento (UPAs) e unidades básicas de saúde (UBS) em decorrência de doenças físicas causadas pela droga, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e o Corpo de Bombeiros fazem trabalhos diários com vítimas que se envolvem em acidentes e brigas durante surtos, por exemplo.
;Os transtornos mentais e o uso de drogas como um todo têm aumentado de forma muito vasta em todas as grandes capitais, mas estamos correndo contra o tempo para atender a nossa grande demanda. A Saúde faz um trabalho com as Secretarias de Segurança Pública e de Desenvolvimento Social, por exemplo, em que atuamos para reduzir o consumo das drogas em geral;, informa Elaine Bida, diretora do Serviço de Saúde Mental, responsável por casos de dependência química.
Ela considera que o melhor tratamento é multidisciplinar e que isso é feito nos centros de atenção psicossocial (CAPs). ;Hoje, quem enfrenta um vício pode recorrer aos CAPs, onde será avaliado por uma equipe com médicos, psicólogos e assistentes. Mas também nos esforçamos na prevenção, com palestras e atividades de conscientização nas escolas, por exemplo;. A possibilidade de internações compulsórias ; em que o tratamento é feito sem a necessidade de autorização do paciente ou da família ; sempre vem à tona nas discussões. Para Newton Cézar Teixeira, titular da 5; Promotoria de Justiça de Entorpecentes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), esse cenário é controverso.
;A probabilidade de êxito está vinculada ao interesse do viciado em buscar o tratamento, então é complexo, o sucesso na reabilitação passa pela conscientização. Se fosse simples de resolver, a gente já tinha resolvido. Mas os melhores caminhos passam por educação, socialização, oportunização de trabalhos e estudos;, pontua. Newton lembra, ainda, que a segurança pública fica em risco com o aumento de usuários de crack. ;O efeito da pedra é praticamente imediato, só que dura pouco tempo e surge necessidade de mais, então hoje em dia é quase uma epidemia. Por isso, uma pessoa com vício pratica vários delitos, como furto ou roubo. A pessoa tem a necessidade de ter a droga e faz qualquer coisa por isso. Se tiver que cometer um crime, ela comete.;
Segurança
As polícias do DF admitem dificuldade de lidar com usuários de crack, pois, quando eles passam a cometer crimes, geralmente as infrações são de menor potencial e acabam gerando um ciclo. Eles são levados às delegacias, assinam um termo circunstanciado de ocorrência (TCO) e voltam às ruas. ;A posse de crack para uso ou as ameaças, que acontecem com mais frequência, não rendem prisão, a menos que o cidadão esteja traficando. Também temos o problema relacionado à droga ser pequena, o que facilita que a pessoa a dispense rapidamente ao ver o policial, então é complicado;, explica Rogério Henrique Rezende, coordenador de Repressão às Drogas da Polícia Civil.
Enquanto soluções são buscadas, ficam os gastos públicos, como detalha Ronalde Lins, membro do Conselho Regional de Economia. ;Além do custo dos atendimentos dos hospitais, que precisam fornecer tratamentos mais fortes devido à potência da droga, se somam os esforços policiais no patrulhamento, por exemplo. Caso a pessoa seja presa, ela custará uma média de R$ 3 mil mensalmente ao Estado com gastos relativos aos funcionários, à alimentação, às compras em geral e mais;, exemplifica. Os números reforçam a importância do investimento preventivo, segundo o especialista. ;A prevenção é essencial e gera economia. Programas de conscientização na infância e juventude são ótimos porque ajudam a evitar problemas futuros;, finaliza.
Imprecisão
Com critérios metodológicos semelhantes aos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o levantamento da Fiocruz teve dificuldade para obter números precisos do consumo de crack, pois a maior parte dos usuários vive marginalizada, em situação de rua e em territórios de população esparsa, com dificuldade de acesso. Também por esse motivo, são escassas as pesquisas que analisam o território do DF em específico. Os últimos levantamentos, já antigos, levam em conta apenas as drogas apreendidas pela polícia.
Corrida
Corrida de rua Música e Diversão, Crack Não
; 14 de dezembro
; A partir das 10h
; Trajeto: do Serviço de Limpeza Urbana (Via L4) até o Restaurante Manzuá, no Pontão do Lago Sul
Onde buscar ajuda
Centros de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
; CAPS AD II Guará: QE 23, Área Especial S/N, Subsolo do Centro de Saúde 2 (2017- 1145)
; CAPS AD II Santa Maria: Quadra 312, Conj. H, Casa 12 (3394-8162)
; CAPS AD II Sobradinho: AR 17, Chácara 14 (antigo Centro de Saúde n; 3) (2117-2115)
; CAPS AD II Itapoã: Anexo II, Complexo Administrativo, Qd. 378, Conj. A, AE 4, Lago Oeste (99113-0736 / 2017-1677)
; CAPS AD III Ceilândia: QNN 01, Conj. A, Lote 45/47, Av. Leste (2017-2000)
; CAPS AD III Samambaia: QS 107, Conj. 8, Lotes 3, 4 e 5 (sem telefone)
; CAPS AD III Brasília: SCS, Quadra 5, Bloco C, Loja 73 (92001-0634)