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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 09/11/2019 04:08
Shiii! Música no carro? Só baixinho

Em tempos de angústia como estes em que vivemos, tenho alguns rituais que me salvam do abismo da tristeza. Tomo uma taça de vinho; compro um vaso de orquídea, suculenta ou cacto ; este ano a soleira da janela do meu apartamento está bastante colorida, não por acaso ;; e, a caminho do trabalho ou de volta para casa, escolho uma das minhas músicas favoritas, aumento (e muito, muito mesmo o volume). Tento seguir a letra como se fosse cantora profissional, a plenos pulmões, sem me preocupar com o que o condutor do lado está pensando.

Mas esta semana uma luz vermelha se acendeu. Numa reunião de trabalho com dois policiais militares, não sei porque cargas d;água, em algum momento um deles comentou sobre multas para condutores que escutam música alta no veículo. Ajeitei-me na cadeira e quis saber mais detalhes dessa proibição.

;Mas isso não vale para quem está circulando, vale?; A resposta foi um balde de água fria nas minhas esperanças. ;Sim;, respondeu o policial de alta patente. Como o tema da reunião não era esse, não pude aprofundar a conversa.

Por volta das 18h30 de ontem, perto de voltar para casa e dar um pontapé no fim de semana de folga, cantarolando baixinho Bella Ciao, tema da série La Casa de Papel, já fazendo planos para a playlist da volta para casa, a dúvida da proibição do Código Brasileiro de Trânsito começou a martelar na minha cabeça.

Ao mesmo tempo em que a incerteza corroía meus pensamentos, experimentava a sensação boa de, logo cedinho, ter encontrado forças em We will rock you, do Queen, para começar a sexta. Na volta do almoço, foi a vez de Marisa Monte e Julieta Venegas, com Ilusion, espantarem a moleza e o mal-estar do calor. Não poderia ir para casa sem respostas. Fiz o que sou treinada para fazer: apurei.

; Tenente-coronel Edvã Sousa, boa noite! Ouvi dizer que escutar música alta no carro, bem alta mesmo, pode dar multa ainda que o condutor esteja circulando. É verdade?

; Sim. Se o agente passar do lado e o volume do som incomodar, e esse incomodar é um conceito subjetivo, o condutor é convidado a baixar o som. E se não atender o pedido, o veículo pode até ser levado para o depósito.

; Lascou-se, pensei! No que o tenente-coronel Edvã continuou a explicar:

; O condutor precisa pensar no seguinte: Até aonde vai o seu direito de escutar a música em volume alto? Isso invade a privacidade do outro de querer ou não ouvir essa música?

Respirei fundo. Faz todo sentido! Agradeci ao policial militar. E agora tenho um problema a ser resolvido. Quando acordar com a sensação de que a humanidade está perdida, que o Brasil não tem jeito, que não quero mais ser jornalista e que sou feliz sendo jornalista (sim, é contraditório, eu sei), o que vou fazer entre o trajeto que me leva ao lar ou ao trabalho que me dê tanto prazer quanto cantar a plenos pulmões, desafinada, uma das minhas canções preferidas? Preciso de sugestões.

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