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Juiz alfabetizado em escola rural batalha por representatividade

Alfabetizado em uma escola rural, Fábio Esteves, 39 anos, venceu a pobreza, formou-se em direito e tornou-se juiz com forte atuação no debate sobre a representatividade dos negros no Judiciário

O caminho para sair de Chapadão do Sul, cidade de 15 mil habitantes no estado de Mato Grosso do Sul, até se tornar advogado, mestre, doutorando e juiz titular da Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Distrito Federal não foi fácil. Fábio Esteves, 39 anos, é filho de um peão de fazenda e de uma empregada doméstica. Criado sem quase nenhum acesso a serviços básicos, na década de 1980, o pai, analfabeto, insistiu para a prefeitura levar educação às crianças da zona rural. Foi na escola de tábua, pintada de marrom e localizada às margens de uma estrada vicinal, que Esteves deu o primeiro passo rumo à magistratura agarrado à dedicação e humildade.

 

Sentado em uma cadeira branca e acolchoada no 10º andar do anexo B do Palácio da Justiça, o juiz conta que teve uma infância típica do Brasil rural. Feliz, mas laboriosa. A escola construída por insistência do seu pai ficava a 23 quilômetros de distância de casa, o que obrigou Fábio e os dois irmãos mais novos a morarem na escola.

 

Ele tinha apenas 10 anos na época, mas acordava cedo para limpar o local e era cuidado pela professora, que era responsável por ensinar todos os alunos de quatro séries diferentes. "Foi assim que não faltei um dia sequer de aula. Muita gente olhava para a minha família como se a gente não fosse dar certo. Éramos, de certa maneira, a representação de uma estatística de pessoas que, infelizmente, têm um destino trágico", lembra.

 

 

Aos 15 anos, lembra que "teve a sorte" de ingressar em um programa assistencial do Banco do Brasil chamado Menor Carente, onde experimentou, pela primeira vez com mais percepção, o peso do racismo institucional. Trabalhava com outros dois adolescentes, também bons colaboradores, mas sempre sentiu que precisava fazer o dobro para ser considerado bom.

 

Foi durante a primeira experiência no mercado de trabalho que decidiu ser juiz. "Eu não sabia o que era exatamente isso, mas eu queria para mim, algumas pessoas não acreditaram, mas estava com a ideia muito fixa na mente. Claro que me questionavam. Como alguém do interior, pobre, estudante de escola pública e negro queria seguir uma profissão que não era acessada por esse perfil?", lembra. É que o racismo, quando não mata, busca tornar o alvo inseguro. "Eu sempre tinha que fazer 25% melhor que qualquer pessoa. Então, não era ser o melhor por ser ‘o melhor’, mas ser o melhor para ser igual."

 

Combate ao racismo

 

Na universidade, foi interpelado por uma professora, que disse que ele não tinha "perfil para a magistratura". Em outro episódio, um professor o insultou racialmente durante uma discussão. "Discordamos em uma questão e ele perguntou quem tinha cortado o rabo do macaco. Ali foi como se eu tivesse tirado minha segunda certidão de nascimento. Nasci novamente, como identidade, como um homem negro".

 

Os episódios de racismo, solidão e dificuldades financeiras marcaram a trajetória de Esteves, mas não foram capazes de pará-lo. Ele se formou na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) em 2003, e, em 2007, assumiu a magistratura no Distrito Federal. No currículo, casos emblemáticos e com repercussão nacional, como o processo que condenou os executores do caso conhecido como "Crime da 113 Sul", a condenação do ex-dono da Gol Nenê Constantino e o processo de investigação contra o ex-deputado federal Alberto Fraga.

 

Em 2016, foi eleito presidente da Associação dos Magistrados do DF (Amagis). Incomodado com a inexpressividade dos negros na magistratura, desde 2017 faz frente ao Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (Enajun). Uma oportunidade de reflexão sobre a representatividade, tanto para os juízes negros como para uma sociedade que ainda não encontra no Judiciário a sua projeção racial. "A proposta do encontro é dizer que a magistratura deve ser uma só, e deve ser plural."

 

Os avanços, ele diz, são substanciais, mas ainda é preciso percorrer um longo caminho, pois a disparidade entre negros e brancos ainda é um abismo no Brasil. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que, em 2015, o número de negros entre 18 e 24 anos que chegou ao nível superior era de 12%, ou seja, menos da metade dos 26,5% de brancos.

 

O IBGE destaca ainda que a dificuldade de acesso dos negros se dá pela educação defasada recebida por essa parcela da população. No tempo em que deveriam estar matriculados em universidades, 53,2% dos negros ainda estão no ensino fundamental ou médio, ante 29,1% de brancos.

 

Fábio se torna uma figura mais rara porque a distância entre brancos e negros na magistratura é ainda maior. Pessoas negras representam apenas 1,6% dos magistrados do Brasil, em um universo de mais de 18 mil juízes. Ainda assim, ele não perde o otimismo. "Sempre digo aos jovens: seja negro, mantenha sua história, não abra mão da sua identidade e busque o melhor disso. Hoje posso dizer que é possível o negro também ocupar esse espaço na magistratura", finaliza.

 

 

Especial

Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/historiasdeconsciencia