postado em 13/11/2019 04:08
[FOTO1];Estamos sós, ninguém quer ouvir a nossa voz / Cheia de razões, calibres em punho / Dificilmente um testemunho vai aparecer / E, pode crer, a verdade se omite / Pois quem garante o meu dia seguinte?; O trecho da música Pânico na Zona Sul, lançada em 1988 pelo grupo Racionais MC;s, ultrapassa barreiras temporais e marca a vida de Richard Santos. Carioca, doutor em ciências sociais, professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), escritor, comunicador e ex-cantor de rap, ele guarda habilidades diversas adquiridas ao longo de 47 anos de vida. Contudo, mesmo bem-sucedida, a trajetória não o impediu de enxergar a realidade que a canção denuncia, cenário que só quem é negro conhece de verdade.
Com uma história que passa por diferentes cidades, Richard é desbravador, ou ;andarilho de mundo;, como ele mesmo define. A vida do professor se desenrolou entre cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e, atualmente, constrói-se em Porto Seguro (BA). Em cada uma delas, ele acumulou mais elementos na bagagem intelectual que carrega Brasil e mundo afora. Entre essas idas e vindas, o professor encontra a equipe do Correio no saguão de um hotel do Setor Hoteleiro Sul.
Descontraído e entusiasmado, Richard fala sobre algumas das principais etapas que viveu, mesclando memórias e referências a teorias científicas. A trajetória de Big Richard ; como também é chamado ; reflete a transdisciplinaridade que ele próprio buscou ao começar os estudos da graduação. Mesmo com mais de 20 anos de trabalho na comunicação, o interesse acadêmico encontrou base nas ciências sociais. ;Queria entender a sociedade em que estamos inseridos;, relata. A partir dali, o caminho se pavimentou por mais etapas de estudos até chegar ao pós-doutorado, que cursa atualmente na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
No fim dos anos 1980, teve início a trajetória musical de Richard ; outra das facetas do professor ;, quando ainda morava no Rio de Janeiro, em meio à efervescência do rap, do reggae e mesmo cenário em que o funk carioca nascia. Dali, surgiram grupos como Planet Hemp, O Rappa, Cidade Negra e nomes como o de Gabriel, O Pensador. No entanto, a inspiração para o gosto pela música estava na capital federal: Legião Urbana. O primeiro baixista da banda, Renato Rocha ; morto em 2015 ;, também era negro. ;Houve uma identificação estética, mas eu não me via cantando em uma banda de garagem, até porque eu não tinha garagem nem instrumentos para fazer o rock.;
O interesse pelo rap surgiu da influência da tevê e de um primo que apresentou a Richard o disco Consciência Black, dos Racionais MC;s. A música Pânico na Zona Sul chamou atenção e o levou aos palcos. Mas, com o tempo, a desilusão provocada pelo modelo do mercado vigente, que não permitia que alguns grupos tivessem o mesmo espaço no rádio e na televisão, fez com que Big Richard desistisse da vida de cantor. ;Não faço mais shows. Escrevo, produzo, mas não mais para atuar na indústria cultural. Por mais que o hip hop tenha esse discurso crítico, politizado, você tem de aderir aos signos dela;, destaca.
Experiências
As pesquisas na área da comunicação surgiram apenas durante o mestrado, na Universidade de Brasília (UnB). Servidor público da UFSB, o campo de atuação do professor universitário passa pela indústria cultural, a América Latina, o sistema de tevê pública, além de questões raciais. O livro mais recente dele fala da relação entre a branquitude e a televisão. ;Sempre gostei muito de comunicação e de televisão. Sempre tive curiosidade de saber mais sobre esse veículo que cria nosso imaginário. E costumo dizer que as plataformas digitais são uma adaptação dela;, define.
Olhar crítico e experiências nesse meio não lhe faltaram, uma vez que trabalhou nos principais canais privados do país e em tevês públicas, tanto à frente quanto por trás das câmeras. Atuou como figurante na novela Roque Santeiro, foi assessor de imprensa, colaborador na MTV, apresentador de quadro no Fantástico, produtor na RecordTV ; onde atuou em outra novela ; e na TV Brasil ; onde também fez reportagens. Passou, ainda, pela Bandeirantes e pela TV da Gente.
Richard analisa que a formação comunicacional no país é rodeada por problemas estruturais que favorecem uma visão eurocêntrica, tanto em relação aos saberes quanto a posturas estéticas. ;Esse conjunto, formado pelo imaginário eurocêntrico colonizador transforma o não branco no outro, no estereótipo, no subalterno. Ainda hoje, você vislumbra esse poder branco pautando e agendando temas, reportagens, perspectivas, visões. Isso é muito claro ; ou muito escuro ; para a gente;, comenta. ;E como formam-se esses núcleos de trabalho hegemonicamente brancos? A partir da concepção branca de que os melhores representam aquilo que você vê no espelho;, completa o professor.