Maria Baqui*
postado em 14/11/2019 06:00
[FOTO1]Acreditar que a música é capaz de transformar realidades é a premissa que incentiva Ana Carolina Steinkopf, de 29 anos, a dar continuidade ao projeto Uma Sinfonia Diferente, criado em 2015 em Brasília. A jovem musicoterapeuta deu início a uma metodologia que trabalha a comunicação e a socialização de crianças com transtorno do espectro autista (TEA) por meio de musicais e sessões em grupo. O sucesso fez com que a iniciativa fosse adotada em cinco unidades da Federação.
O projeto é dividido em duas etapas. Inicialmente, as aulas práticas consistem em difundir conhecimentos acerca de instrumentos musicais, em grupo. Isso acontece porque há grande exigência em escolher, pontualmente, as notas que serão trabalhadas. ;Cada nota gera uma resposta diferente ao cérebro. Uma mesma música pode ser estudada por diferentes grupos de alunos e ter resultados diferentes em cada um;, afirma Ana Carolina.
Em outro momento, os alunos e os profissionais de saúde participantes se preparam para uma apresentação musical aberta ao público. Com uma rotina estruturada, os alunos encaram o desafio de subir ao palco e conseguem surpreender as pessoas que duvidam da capacidade cognitiva de uma criança com espectro autista. A cenografia e o figurino dos espetáculos são de responsabilidade dos pais. Esse é o momento em que é trabalhada a interação entre familiares e é estimulada, ainda mais, a comunicação entre pais e filhos.
Além das outras cidades brasileiras que adotaram o método Sinfonia Diferente, em 2018 Ana Carolina levou a proposta da musicoterapia aplicada a pacientes com autismo para Barcelona, na Espanha.
Questionada sobre o fato de ser uma mulher negra com destaque na área, ela diz que é difícil estar nesse lugar. ;Eu não consigo reconhecer pares. Não tenho mulheres negras ao meu lado nesse trabalho. Mulher jovem e negra? Todos sempre disseram que não ia dar em nada, que não ia funcionar;, desabafa.
O êxito do Sintonia Diferente foi reconhecido em 2017, quando o trabalho foi um dos vencedores do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social, na categoria Saúde e Bem-Estar. Na ocasião, Ana Carolina percebeu que era uma exceção. ;Para receber o prêmio, só tinha eu de negra em cima do palco. E eu me sinto só. Se eu estou aqui, eu quero outras comigo. Mulheres e negras. Quero me reconhecer no outro e não vejo representatividade negra em muitas áreas profissionais;, ressalta.
Nos quatro anos de existência, o projeto atendeu mais de 300 pessoas com autismo no Distrito Federal. Atualmente, são 78 participantes. Já foram realizados cinco musicais, com público total de 4 mil pessoas. No primeiro semestre de 2019, o grupo ocupou o palco da Funarte com a apresentação Fazendinha Diferente. A iniciativa se mantém por meio da contribuição mensal dos pais, no valor de R$ 160.
Início
A vontade de viver o universo musical surgiu ainda na infância, quando Carol, como costuma ser chamada, foi matriculada na Escola de Música de Brasília e aprendeu a tocar violino. De acordo com ela, o sonho em ser musicista foi se tornando cada vez mais presente. Por isso, decidiu cursar música na universidade. Porém, um dia antes de prestar vestibular, um professor por quem ela tinha muita admiração julgou que a profissão não era ;feminina o suficiente; e que, caso ela obtivesse sucesso, seria ;apenas pela beleza; dela.
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Antes idealizada como curso de pós, a musicoterapia foi a nova escolha de Ana Carolina para iniciar a trajetória acadêmica. Mudou-se para Goiânia e iniciou a graduação na Universidade Federal de Goiás (UFG). Foi lá onde o encanto pelas notas musicais e pela reabilitação neurológica tomou forma e conquistou toda a atenção da jovem.
Segundo ela, os estudos a motivaram a estipular um desafio diário de pesquisa para melhor compreensão das funcionalidades cerebrais e cognitivas do corpo humano. Foi assim que a musicoterapeuta começou a se questionar sobre como a musicalidade pode ser um estímulo neurológico e influenciar no regulamento das reações humanas, como a reabilitação do andar ou da fala de uma pessoa.
Ao se formar em 2013, Carol voltou a Brasília e teve a primeira experiência em uma clínica de psicologia infantil. O local era especializado em terapia para crianças com espectro autista. Em um primeiro momento, ela conta que não soube como lidar com os pacientes, porque nunca tinha trabalhado com aquele público e confessa ter se sentido ;perdida; em algumas consultas.
A falta de experiência inicial não foi um empecilho para a promissora carreira da musicoterapeuta. Para ela, trabalhar com crianças com autismo é uma descoberta diária. ;Não adianta insistir em aplicar uma teoria sem criar algum vínculo com o paciente. Para que seja efetivo o tratamento, é necessário que, primeiro, a criança se sinta confortável na presença da terapeuta e tenha interesse em seguir com as sessões e consultas;, explica.
Especial
Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/historiasdeconsciencia