Cidades

Ana Luíza Bellacosta luta pelo espaço da mulher negra na palhaçaria

A palhaça Ana Luíza Bellacosta tem sido uma forte representação das mulheres negras no mundo da palhaçaria. A brasiliense leva a arte até para o exterior como forma de enfrentamento

Thays Martins
postado em 22/11/2019 06:00
[FOTO1]Quantas palhaças você já viu? E quantas eram negras? A artista Ana Luíza Bellacosta percebe que não há muitas como ela; por isso, entende a importância desse trabalho. Mulher, negra, deficiente física e há quase 20 anos se dedicando à arte da palhaçaria, Ana Luiza acredita que a consciência negra é necessária em todos os momentos do ano. Ela conclui as apresentações com debate sobre o protagonismo negro no circo e no teatro. ;A palhaçaria é muito heteronormativa. E todos sabemos que a mulher negra está à margem da sociedade;, afirma. ;O meu corpo é político por si só. Ver uma palhaça negra é muito significativo, mas o meu discurso não é panfletário, são pinceladas. Tira um pouco desse imaginário social sobre o negro cômico;, completa.

Para Ana Luíza, é importante refletir sobre a posição de cada um dentro da sociedade. ;É para lembrar que o nosso país foi todo construído em uma hegemonia branca e em cima do lombo de um povo;, destaca. Segundo a artista, é perceptível a dificuldade de vários palhaços negros, que não estão presentes nos festivais. ;É um reflexo do nosso país racista. A curadoria é branca. Os negros, quando se inscrevem, são mais julgados ainda, porque precisam ser muito bons. Às vezes, em festivais, só tem eu. A gente não consegue resolver o problema se não admitir que ele existe;, ressalta.

O importante, de acordo com Ana Luiza, é o entendimento de que para fazer palhaçada não é preciso ofender ninguém. ;Quando você faz uma piada racista, mais uma vez você está propagando um discurso de ódio. Dizem: ;Ah, eu estava só brincando;. Acho que somos inteligentes o suficiente para fazermos piadas que não ofendam os outros;, destaca. ;Eu não quero que as pessoas riam de mim porque eu sou preta. Quero que riam porque eu sou engraçada. Quando eu estou apresentando e tem crianças pretas, é muito lindo de ver;, diz.

No picadeiro

Aos 40 anos, Ana Luíza viveu em 2019 um dos melhores anos da carreira. Ganhou dois prêmios Bela Cena, viajou pelo Brasil, fez turnê pela Europa e levou para muita gente o que ela sabe de melhor: muita palhaçada. ;O meu pai faleceu no início do ano, e eu entrei em uma crise de que não era engraçada, que eu não devia fazer piada após a morte dele. Depois, eu viajei bastante, devo ter ficado uns três meses só em Brasília. Isso me fortaleceu muito, de alguma forma me tirou do luto do meu pai;, conta.

A explicação para o talento dela é familiar. ;A minha família é bem gaiata. Vem de berço;, explica. Filha de nordestinos, a brasiliense diz que, desde pequena, percebeu ser diferente dos outros. ;Eu sempre estava fazendo piada. Eu sou de gêmeos; então, eu gosto muito das pessoas. Eu tenho uma tia que sempre dizia que eu seria artista;, lembra.

A menina desengonçada e sem jeito começou, assim, a fazer graça de si mesma. ;Eu sou muito alta, e o meu pé é muito pequeno. Então, eu sou uma pessoa que cai muito. Depois de cair tantas vezes, eu não tinha mais aquele pudor, fazia graça disso;, revela. ;Além disso, eu sou deficiente física. Tenho paralisia em um lado. A minha qualidade é a desqualidade, é uma habilidade muito boa;, brinca.

A vocação para o teatro a levou a cursar artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB), ao mesmo tempo em que fazia geografia. ;A minha mãe falou para eu terminar geografia, dei aula durante 8 anos. Eu peguei dois tiroteios em colégios e disse: ;Não vou morrer dando aula;. E, na sequência em que eu pedi exoneração, a gente aprovou um projeto de manutenção de grupo de teatro da Petrobras, e as coisas foram dando certo;, recorda.

Mas não era exatamente as artes cênicas que ela estava procurando. ;O teatro tem um glamour, as pessoas são muito perfeitas, corpos esbeltos, e eu não me identificava muito com essa perfeição;, explica. Foi então que ela conheceu a palhaçaria, juntou-se com dois amigos que também não se encaixavam e fundaram a Colapso. Além disso, ela passou por vários grupos que levam alegria para crianças em hospitais. ;Foi uma escola, porque o hospital é um picadeiro constante;, compara. Hoje, além da Colapso, Ana Luíza faz parte da Andaime Cia de Teatro, do Cabaré da Nega e tem o espetáculo solo Madame Froda.

Especial

Para marcar o Mês da Consciência Negra, a série Histórias de consciência é publicada ao longo de novembro e presta homenagem a mulheres e homens negros que ajudam a construir uma Brasília justa, tolerante e plural. Todos os perfis deste especial e outras matérias sobre o tema podem ser lidos no site www.correiobraziliense.com.br/historiasdeconsciencia

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