postado em 25/11/2019 04:06
;Tem o homem, e tem o valor do homem;, demarca o resistente e íntegro personagem de Irandhir Santos no mais novo filme de Claudio Assis, Piedade. Junto com a mãe, Carminha (Fernanda Montenegro, preciosa), Omar (Irandhir) observa a desolação nos arredores do bar Paraíso do Mar, na Praia da Saudade (Pernambuco), um antigo local agregador. Cabe à família de Omar ver o poderio agir e, como diz, perceber os ;corais (do mar) transformados em reais;. Estão nas mãos da especulação imobiliária.O embate vem com a figura do presunçoso empresário Aurélio (Matheus Nachtergaele, nunca menos de que preciso) que, na base das mordiscadas, tece o plano de, com as presas de tubarão recolhidas, dar o bote. No vocabulário dele pesam palavras como ;ressarcimento e realocação para os habitantes;: tudo substitui ;venda; de terras. Nadando em citações de cinema e apostando na autorreferência (com uso de cenas de Baixio das bestas, até), Claudio Assis se renova quando deposita fichas numa poesia colorida, a serviço do onírico.
Claro que o cinema do diretor de Amarelo manga volta a desconcertar, como na defesa, por exemplo, de que ;sexo é cheiroso;, como ressalta a figura de Sandro (Cauã Reymond), fundamental aos pilares da trama, na pele do dono de um cinema pornô. Investindo em denúncia, em registro de protestos ; com reforço do personagem Marlon (Gabriel Leone, em interpretação notável), Assis dispensa tons de autoritarismo (num contraponto a Big jato) e explana ganhos da união familiar.
Entre imagens fortes, a mais latente brota da sutileza: nem tudo desemboca em alegrias e nas explosões prazerosas que o diretor pernambucano ofertou no passado na telona. Rico, o novo debate encerra o valor do sintético (em primeiro plano, no caso da tecnologia e da compulsão sexual de Aurélio nutrida nas redes), superando a interação com a natureza e mesmo as relações humanas. Pesa o triunfo e a ressaca da desolação. (RD)