postado em 28/11/2019 04:07
[FOTO1]Maria dos Santos Marques morreu aos 77 anos, dias após o plano de saúde ter recusado a internação em um hospital. As cinco filhas estavam com a conta em dia, mas descobriram que o pagamento ficava restrito aos corretores. Agora, dois anos depois, elas convivem com o luto e com uma dívida de mais de R$ 90 mil, referente ao custos da unidade de tratamento intensivo (UTI). Maria foi vítima de um golpe investigado pela Operação Esculápio, deflagrada ontem pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O nome da ação faz referência ao Deus da Medicina e da Cura. Os crimes lesaram mais de 100 pessoas no DF e resultaram na morte de pelo menos quatro pessoas. Três vítimas eram freiras, mas a investigação não passou nenhum detalhes sobre esses casos.
O esquema lesava, principalmente, idosos, segundo a apuração. Os envolvidos agiam por meio de corretoras e ofereciam às vítimas planos de saúde empresariais por valores abaixo dos de mercado. Para isso, eles alteravam informações essenciais no contrato. A vítima tinha a idade modificada ou era colocada como funcionária de empresas fantasmas, barateando o custo mensal. ;Os suspeitos adulteravam, na maioria dos casos, a data de nascimento da pessoa. Para uma mulher de 80 anos, eles colocavam como se ela tivesse 40. A outra forma é o que chamamos de fraude ideológica. Eles colocavam algumas pessoas como se fossem funcionários de uma empresa, mas não eram;, detalhou Paulo Binicheski, do MPDFT.
Para reunir provas, a polícia cumpriu mandados de busca e apreensão na casa de quatro acusados, no Sudoeste, em Santa Maria, no Riacho Fundo e no Jardim Botânico. Além disso, três corretoras de seguro localizadas no Setor Comercial Sul foram alvo da operação. A força-tarefa apreendeu diversos documentos referentes à contratação de planos de saúde, HDs de computadores, celulares e dispositivos de armazenamento de dados informatizados.
De acordo com o delegado Bruno Carvalho e Silva, diretor da Divisão de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial (DRCPIM), o esquema envolvia grandes empresas de plano de saúde, que não sabiam da fraude. ;Os beneficiários, a princípio, acreditavam contratar os serviços de saúde das mencionadas operadoras, desconhecendo o engodo. À medida que precisavam utilizá-los, tinham as suas pretensões negadas em decorrência da descoberta do golpe pelas operadoras;, explicou Bruno.
Justiça
Deise Rocha, 44, lembra com tristeza da primeira abordagem de um dos acusados. ;Foi em 2017. Eu estava preocupada com a saúde da minha mãe, e o corretor circulava pela escola onde eu trabalho para vender planos de saúde. Eu perguntei os valores da assistência para a minha mãe, e ele fez as contas, dizendo que havia um plano em que eu pagaria R$ 1.480 por mês;, recorda. O preço era alto para a professora, mas as cinco filhas de Maria dos Santos fizeram esforços e fecharam a contratação. ;Nós demos um jeito, porque queríamos retribuir tudo o que a nossa mãe fez pela família durante toda a vida. A gente só queria dar condições dignas a ela;, lamentou.
Nas consultas, o plano de saúde não apresentava problemas, mas, quando Maria passou por um quadro de infecção urinária e precisou ser internada, começaram os problemas. ;O plano deu a negativa para a internação, porque havia divergência de dados cadastrais. No sistema, constava que a minha mãe tinha 40 anos. Percebemos que nós fornecemos as documentações que o corretor nos pediu, mas ele deve ter alterado;, avaliou Deise. A internação custou R$ 15 mil.
Questionado, o corretor informou que resolveria a situação, pagando o valor e mudando o plano de saúde para evitar que isso voltasse a acontecer. Dez dias depois, a saúde de Maria piorou. A infecção foi geral, e ela precisou novamente de tratamento. ;Quando fomos ao hospital, pela segunda vez, tivemos de novo a negativa, pelo mesmo problema, que deveria ser resolvido, segundo o corretor. Ficamos em desespero. A nossa mãe doente, nos últimos anos de vida, e a gente sem conseguir atendimento. Ela tinha me pedido para não ser levada para um hospital público, porque tinha sofrido muito lá;, contou Deise.
As filhas seguiram para outra unidade de saúde particular, onde encontraram tratamento mais barato. Maria morreu seis dias depois na UTI. ;Tudo acabou com a morte da minha mãe. A gente acredita que, se não fosse isso, ela poderia ter vivido mais. O plano de saúde negou a internação, e o quadro piorou depois. É triste e revoltante, porque a gente percebe que, nessa sociedade, o dinheiro vale mais do que a vida;, lamentou Deise.
Durante o momento de luto, as irmãs recorreram à Justiça para não pagar os custos da UTI, mas teve o pedido indeferido. Fernando Batista de Oliveira, advogado da família, explicou que o juiz pediu a prova de que o hospital negou a internação. ;Ele entendeu que nós não conseguimos provar a negativa do atendimento, mas é a parte contrária que deveria fornecer isso. O Judiciário não foi maleável e, agora, a família terá de pagar mais de R$ 90 mil do tratamento;, reclamou.
Rio de Janeiro
Para o Ministério Público, a investigação continua. ;O próximo passo é fazer o levantamento do que foi apreendido, verificar se há algum elemento de prova. Temos sete denúncias prontas contra o grupo e vamos ver se é o caso de acrescentar algo. É grave, pois ele atuam há mais ou menos três anos. Nesse tempo, os suspeitos movimentaram valores bem elevados. Nós pedimos o bloqueio de mais de R$ 1 milhão nas contas;, informou o promotor Paulo Binicheski.
A operação também teve desdobramento no Rio de Janeiro. A Justiça daquele estado constatou a existência da organização e deu continuidade às investigações, com o MPDFT. Tanto no DF quanto no Rio não houve nenhuma prisão. ;Entramos em juízo com o pedido de prisão preventiva, mas o juiz negou, dizendo que deveríamos mostrar fatos contemporâneos, porque, hoje, segundo o entendimento dos tribunais superiores, só é cabível quando os delitos continuam sendo praticados. Hoje, o objetivo maior é mostrar que eles continuam praticando;, detalhou Paulo. A suspeita das fraudes começou em 2016 e, desde então, foram instaurados sete inquéritos.
; Entenda qual é a real necessidade com o plano de saúde e o que está buscando. Isso influencia no valor do produto;
Como agiam
1 Os suspeitos abordavam interessados em empresas ou organizações
2 Os planos oferecidos tinham valores menores do que o de mercado. Ou porque idosos eram inseridos com idade inferior, ou porque eram colocados em planos empresariais
3 Instituições de fachada eram criadas para que as vítimas fossem colocadas como funcionárias, garantindo a ideia de isonomia ao plano empresarial
4 O grupo recebia comissão pela venda dos planos, pois as três primeiras parcelas ficam com a corretora
5 Em outros casos, os suspeitos emitiam boletos no nome da própria corretora em vez de identificar o plano de saúde
Evite fraudes
Confira dicas da advogada especialista em direito do consumidor Victória Moraes:
; Entenda qual é a real necessidade com o plano de saúde e o que está buscando. Isso influencia no valor do produto;
; Leia o contrato para estar ciente do serviço e não ter prejuízo;
; Verifique se o plano está registrado na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS);
; Se fizer o contrato pela internet, certifique-se se o endereço do site corresponde ao nome da empresa;
; Se fizer por meio de corretor, busque indicação e referência de pessoas conhecidas;
; Não existe plano de saúde barato. Se o preço estiver muito abaixo do mercado, o risco de ser fraude é grande;
; A ANS também oferece dicas aos contratantes por meio do site oficial: http://www.ans.gov.br.