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Refletir para enfrentar

Promovido pelo Correio em parceria com comitê do Senado Federal, 1º Colóquio Violência de Gênero e Mídia debateu os crimes praticados contra mulheres e a responsabilidade dos veículos de comunicação ao abordar o assunto

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/11/2019 04:17
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Podendo ir do ciúme ao tapa ou mesmo à morte, a violência contra a mulher faz vítimas diariamente. Segundo a organização não governamental Instituto Patrícia Galvão, a cada 90 minutos, uma mulher é morta pela condição de gênero no Brasil (Veja Cronômetro). Até o momento, no Distrito Federal, 32 feminicídios são contabilizados apenas em 2019. Ontem, uma vítima era enterrada, depois de ter sido estrangulada pelo próprio irmão (leia na página 24). Nesse contexto, o Correio Braziliense, em parceria com o Comitê Permanente de Promoção da Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal, promoveu ontem o 1; Colóquio Violência de Gênero e Mídia, com o intuito de debater o crime e a responsabilidade dos veículos de comunicação ao abordar o tema.

De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF), 13,3 mil mulheres sofreram violência doméstica entre janeiro e outubro deste ano. Isso representa um aumento de 3,85% em relação ao mesmo período do ano passado. Casos de agressão não são novidade. Na abertura do evento ocorrido no auditório do Correio, a editora de Opinião do jornal, Dad Squarisi, lembrou que, desde a Antiguidade, a submissão é imposta às mulheres, o que tradicionalmente não era comentado por se entender que problemas de um casal ficam em casa. ;A violência, que se passava entre quatro paredes, foi para a rua. Virou notícia. A imprensa tem papel importante no processo. Ao informar o que fazer em atos violentos, caiu por terra a tal história de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher.;

Ela ressaltou a importância da educação desde a base. ;Filhos informados salvam mães. A luta é pelo avanço da civilização;, declarou. ;Quando uma mulher é assassinada, morre um pouco de todos nós.; O colóquio faz parte da campanha anual de 16 dias de ativismo, criada em 1991, por integrantes do Instituto de Liderança Global das Mulheres. A ação teve início em 25 de novembro, data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) como Dia Internacional para Eliminação da Violência contra a Mulher, e vai até 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

A luta pelo direito de fala
A violência contra a mulher tem raízes em uma cultura machista. Para Cleide Lemos, especialista em políticas públicas e gestão governamental e em direitos humanos, é necessário estar atento para evitar discursos preconceituosos. ;Levantar a bandeira feminista é levantar a bandeira da igualdade. A gente precisa combater o preconceito e a discriminação. Isso precisa ser feito com informação correta e qualificada, e não com fake news.;

Cleide lembrou a importância da Lei do Feminicídio, que criou a qualificadora para os homicídios praticados contra mulheres. Ela chamou o crime de ;silenciamento final;, uma vez que ocorre em um contexto que visa calar a mulher, vítima de uma série de violências ao longo da vida. ;O patriarcado nos silencia. Não permite que a gente diga nem escute nada;, criticou.

A consultora internacional em direito das mulheres Roberta Gregoli destacou como o discurso da mídia, em especial da publicidade, objetifica a mulher com imagens que glamorizam a agressão contra ela ou hiperssexualizam o corpo feminino. ;Tudo isso faz parte de uma mesma dinâmica de violência;, afirmou. Roberta lembrou que, se por um lado as mulheres são desumanizadas, por outro, os homens costumam ser humanizados quando praticam alguma violência contra elas, sempre com alguma justificativa como ;motivado por ciúmes; e, muitas vezes, culpando a vítima.

A crítica levantada por Roberta foi tema de um dossiê produzido pelo Instituto Patrícia Galvão que analisou a cobertura jornalística em casos de violência de gênero e feminicídios. A publicação intitulada Feminicídio: #invisibilidademata apresenta um diagnóstico e uma avaliação de como o assunto foi retratado em 71 veículos noticiosos, no período de outubro de 2015 a março de 2016.

A jornalista Luciana Gomes, representante do instituto, falou sobre o cuidado que os meios de comunicação devem ter ao abordar o tema. ;O feminicídio não é a primeira violência, faz parte de um processo cíclico. Vem na humilhação, na agressão física, na dependência econômica, e a própria família julga. Os comunicadores não podem reproduzir estereótipos e culpar a vítima;, pontuou.

Para ela, a mulher que sobrevive é muito mais culpabilizada do que a morta. E é responsabilidade social do jornalismo apresentar ferramentas que possibilitem uma saída para quem está passando por algum tipo de violência. ;Citar o que é feminicídio e o contexto onde ocorre pode salvar uma vida. Muitas vezes, a mulher está passando por uma situação de agressão e não tem consciência disso.;

Outro ponto levantado por Luciana e Roberta foi a importância de fazer a abordagem correta nos veículos de comunicação. Entre as orientações está divulgar canais de denúncia e serviços, ter cuidado na escolha do título das matérias, não justificar as ações dos homens e não culpabilizar as vítimas (leia Boas práticas na cobertura jornalística).




Boas práticas na cobertura jornalística

Compreender e explicar o que é o feminicídio
Para informar corretamente quando o assassinato de uma mulher é um crime de feminicídio, é necessário compreender os principais contextos em que ele ocorre: violência doméstica e/ou menosprezo à condição do sexo feminino.

Perguntar onde o Estado falhou
Alguns questionamentos importantes a fazer: a vítima buscou assistência em equipamentos do Estado? Qual foi o encaminhamento? Foram solicitadas medidas protetivas?

Ter cuidado com títulos e imagens
É importante que a imprensa evite destacar informações desnecessárias que acabam reforçando estereótipos discriminatórios, induzindo à culpabilização da vítima pelo crime sofrido e/ou violando seu direito à memória.

Divulgar canais de denúncia e serviços
É função da imprensa e dos veículos de comunicação divulgar canais de denúncia e serviços de prestação de informações de utilidade pública. Informar sobre direitos, alternativas e apoio para a saída de relações violentas.

Fonte: Instituto Patrícia Galvão




Cronômetro

1 estupro a cada 11 minutos

1 feminicídio a cada 90 minutos

5 espancamentos a cada 2 minutos

503 relatos de agressão por dia

Fonte: Instituto Patrícia Galvão


Lei do Feminicídio
A Lei n; 13.104/2015 altera o artigo 121 do Decreto-Lei n; 2.848/1940 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Modifica ainda o artigo 1; da Lei n; 8.072/1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

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