Cidades

Assistente social tem longa história de luta pelas mulheres negras

Cristina Guimarães combate o preconceito de raça e gênero desde a universidade, em Brasília, coordenou o Coletivo de Mulheres Negras do Distrito Federal e hoje milita na Frente das Mulheres Negras do DF e Entorno

Juliana Andrade
postado em 02/12/2019 06:00 / atualizado em 16/09/2020 14:56
[FOTO1]Ser mulher é um desafio não só no Distrito Federal, como em todo o país. Se a batalha pela igualdade de gênero é travada a cada dia, a assistente social Cristina de Fátima Guimarães, 60 anos, precisa lutar em dobro: pela igualdade de gênero e pela igualdade racial. Mãe de dois filhos, avó de três netos, criada em uma família de seis irmãos, a maranhense escreve sua história pautada no combate ao racismo e ao machismo.
Cristina começou a se envolver com o movimento negro na Universidade Federal do Maranhão. Estudante do curso de assistência social, ela conheceu os grupos culturais e o significado de militância. ;Foi na universidade que eu comecei a construir minha visão política enquanto mulher negra;, destaca. Aquele seria apenas o início de uma longa trajetória pela igualdade. Em 1985, Cristina passou em um concurso público em Brasília e, no ano seguinte, mudou-se para a capital. Na mala, além de muito conhecimento, experiência e história, Cristina trouxe a militância.

Em Brasília, a assistente social entrou no Fórum de Mulheres. Em meio a encontros e seminários, assim como outras participantes negras, Cristina viu a necessidade de um movimento destinado a mulheres negras, onde elas poderiam discutir e refletir sobre as especificidades da classe. ;A gente não se identificava com aquele espaço, pois ele não pautava as nossas especificidades. No movimento negro, embora tivesse a presença de muitas mulheres, os dirigentes eram sempre homens e, no movimento feminista, as especificidades da mulher negra não eram debatidas;, justifica. Para Cristina, além de ser tratada como inferiores, as mulheres negras ainda lidam com o preconceito racial, um desafio a mais para a igualdade no mercado de trabalho e na sociedade.

Assim, surgiu o 1; Encontro Nacional de Mulheres Negras, em 1988. Esse foi um passo fundamental para o desenvolvimento do Coletivo de Mulheres Negras do Distrito Federal, grupo que Cristina coordenou durante quatro anos. ;Eu me constituo e me construo nesses espaços e com essa consciência de que eu sou uma mulher negra que vive em uma sociedade racista;, ressalta.

Serviço público

Para Cristina, o concurso público é uma das poucas formas que o negro tem para chegar ao serviço público. Assim como ela, os quatro irmãos vivos se formaram em universidades públicas e hoje são servidores. A assistente social iniciou a carreira pública no governo federal, no Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp) e, em 2003, foi convidada para compor a equipe da Secretaria Especial de Promoção à Igualdade Racial, onde permaneceu até 2014.

;Foi uma fase muito importante na minha vida. Eu trabalhava na construção e implementação das políticas públicas de igualdade racial, como ações afirmativas e as iniciativas voltadas para a população quilombola;, conta. Na Secretaria, ela ainda era a responsável pelos recortes raciais nas políticas públicas voltadas para as crianças e adolescentes. Atualmente, Cristina faz parte da equipe de especialistas do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). Antes disso, ela gerenciou o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Taguatinga.

Dentro de casa

Cristina também fez questão de levar o debate sobre igualdade para dentro de casa. Ela ensinou aos dois filhos, desde cedo, a importância da luta contra o preconceito e o valor do reconhecimento negro. Os meninos, hoje com 28 e 26 anos, foram batizados com nomes africanos: Akinnwolê Kayodê, que significa bravo que entra em casa trazendo alegria, e Sauandê Kayadê, um sábio que sai em busca da cura. ;As pessoas diziam que eles iam odiar esses nomes e que não conseguiriam nem escrever. Quando Akinnwolê aprendeu a escrever, ele veio com um papel, que eu tenho até hoje na agenda, falando para eu mostrar para a minha amiga que disse que ele não conseguiria;, lembra.

Os filhos são o orgulho dela e seguiram os ensinamentos da mãe quando o assunto é o combate ao preconceito. Ensinamento que perpetua de geração em geração. ;Muitas coisas mudaram, mas o meu neto ainda sofre discriminação. A minha geração brigou por espaços democráticos, de luta, reflexão, garantia de direitos e respeito à diferença, mas, nos dias atuais, em pleno século 21, o racismo ainda é muito presente;, lamenta.

Batalha constante

Atualmente, Cristina faz parte da Frente de Mulheres Negras do Distrito Federal e Entorno. Para ela, ainda há um longo caminho para a igualdade racial, que passa pela distribuição de renda, acesso ao mercado de trabalho e aos meios de comunicação, além da educação. ;Não é mi-mi-mi são fatos que a gente vivencia cotidianamente, independentemente da classe social do negro. Racismo é crime e precisa ser combatido. Enquanto houver racismo ou discriminação racial, eu e meus filhos vamos continuar lutando;, enfatiza.

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