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Crônica da Cidade

Imprevisto de segunda

postado em 06/12/2019 04:07
No ano passado, estava na descida da pista do Eixo Monumental, na altura da Rodoviária, rumo à Esplanada dos Ministérios, quando o carro rateou, engasgou, emitiu um barulho estranho e ameaçou parar. Imagine se ele efetivamente parasse? Aos trancos e barrancos, a minha esposa conseguiu estacionar o veículo em frente à Catedral Metropolitana.

Esse foi apenas o primeiro capítulo do sufoco. Acionei o seguro... Isso é um modo de dizer, mas essa operação não é tão simples quanto enunciar a frase. Quer dizer, para acionar o serviço, é preciso passar por não sei quantas secretárias eletrônicas gentilíssimas até chegar à consultora, que te faz muitas perguntas, pede para esperar e avisa que o guincho vai chegar daqui a uns 40 minutos.

Só que passaram uma hora e mais de 30 minutos. Liguei novamente, irritado. Nova via-crúcis eletrônica até conseguir falar com outra consultora, que pediu mil desculpas. É que as seguradoras trabalham com terceirizados e nem sempre isso reverte em bons serviços para os clientes.

Certa vez, solicitei atendimento a uma famosa empresa de telefonia, e o cioso funcionário designado me perguntou: ;O senhor tem uma escada aí para me emprestar?; Bem, para resumir a história, chamei o guincho às 8h30, e ele só chegou depois das 23h, com mais desculpas derramadas e esfarrapadas das atendentes.

Em face de todos esses acontecimentos, resolvi comprar um carrinho melhor e de uma marca mais confiável. Quase tinha pesadelo de imaginar o veículo anterior dando pau na Ponte JK na hora do rush. Pois bem, estacionamos o novo carro na 415. Quando voltamos, nada de ele ligar. A chave não conectava nenhum comando. Respirei fundo, preparei-me, sabia que ia me aborrecer.

Alguns filósofos dizem que já estamos vivendo em um mundo pós-humano. E, sinceramente, às vezes, passo dias, semanas e meses sem avistar um ser humano, como diria o nosso profeta do óbvio, Nelson Rodrigues.

Mas, felizmente, para mim, eu estava completamente errado. Liguei para o chaveiro e apareceu por lá um rapaz simpático que fez os testes rapidamente e descartou problema na chave. Devia ser bateria. Não quis cobrar nada. Liguei para a loja e, enquanto esperava, José Carlos, o vigia, apareceu e trouxe um banquinho para eu me sentar. Ele avisou à Joana, dona do carro estacionado ao lado, que desceu e perguntou se queria que tirasse o carro dela para facilitar o socorro.

Nesse ínterim, chegou o Jeremias da bateria, bem-humorado, com um boné da BMW, a moto com logo do Bradesco e macacão com logos da Heliar de um lado e da Moura de outro: ;Está bem de patrocínio, Jeremias;, disse a ele.

Logo, identificou a data da instalação, trocou a bateria, e o carro voltou a funcionar. Não era Natal; era só uma segunda-feira prosaica. Não quero dar lição de moral, mas fiquei pensando como um pouco de solidariedade, de gentileza e de bom humor mudam tudo. O que era para ser uma saga de aborrecimento se transformou em uma noite agradável, com a sensação de que ainda existem seres verdadeiramente humanos.

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