postado em 07/12/2019 04:06
Um dos sinais mais claros de que gosto de uma pessoa é a vontade de presenteá-la mesmo que não seja uma data especial. Se, andando na rua, vejo algo que me lembra esse amigo ou amiga e acabo comprando no impulso, como um presente fora de hora, pode ter certeza: é amor.
Voltei com um desses presentes das férias de 2012. Um gorro de lã vermelho para esquentar a cabeça do Divino. Sentávamos numa área com ar-condicionado forte e Divino sempre estava de casaco e gorro.
Tinha passado a trabalhar com ele em 2009, quando fui para a editoria de Ciência e Saúde deste Correio. Ele diagramava as páginas das matérias que eu editava. Fui conhecendo e gostando cada vez mais daquele colega de sorriso fácil e que nunca se estressava. Se eu não gostava da ideia que ele tinha tido, partia para outra solução sem drama. Era uma paz ter Divino como colega.
Com o tempo, fui vendo que ele era frágil só na aparência. Doente renal crônico, Divino dormia todas as noites ligado a uma máquina de diálise ao lado da cama. Era magrinho, friorento e, virava e mexia, ia para o hospital, deixando todos apreensivos. Mas sempre voltava, cheio de alegria e bom humor, o que lhe rendeu o apelido de Highlander, aquele personagem imortal interpretado por Cristopher Lambert nos anos 1980.
A aproximação me permitiu conversar sobre como ele encarava sua doença e também a possibilidade de morrer por causa dela. ;Não tenho medo;, disse. Mas o desconhecido não o assustava?, indaguei. ;Não. Já vi a Morte e ela não me assustou, não;. Ele tinha de me explicar aquilo direito. Esqueci qualquer afazer e pus-me a ouvi-lo.
Divino contou que em uma de suas internações, os médicos ; que obviamente não sabiam com quem lidavam ; o avisaram que ele estava prestes a morrer. Recomendaram até a presença de um padre. Divino passou alguns conselhos à família e se calou para ouvir o religioso. Enquanto o sacerdote falava, a Morte apareceu no quarto. ;Como assim, Divino?; ;A Morte foi lá.; ;A Morte, Morte?!” ;Isso, igualzinha nos filmes. De capuz, segurando a foice e tudo.;
Meu amigo sentiu um sono irresistível e foi fechando os olhos, enquanto a Morte se abaixava lentamente ao pé da cama, até desaparecer. Antes de apagar, Divino ainda viu uma luz subindo rumo ao teto. Era sua alma, concluiu.
Quando abriu os olhos, Divino tinha certeza de que estava no além. Mas logo reconheceu o mesmo quarto de hospital. Os médicos diziam que era um milagre. Para Divino, porém, tinha sido só uma decisão da Morte de não levá-lo. Para mim, ela olhou nos olhos dos que estavam com o Divino naquele momento e não teve coragem de tirá-lo deles.
Na última quarta-feira, a Morte teve esse desplante. Nos levou o maravilhoso Divino Alves, aos 63 anos. Como ele fará falta! Quanta coisa ele ensinou sem se dar conta de que era, a seu modo, um professor de vida... Um beijo, Divinex. Quando a Morte me buscar, que ela me mostre onde te deixou. Talvez, aí onde está, você consiga implementar aquele projeto de construir um escorregador que sai da janela do quarto e vai até a piscina no quintal. E a gente possa se divertir junto mais uma vez.