Alexandre de Paula, Fernando Jordão
postado em 08/12/2019 08:00
[FOTO1]À frente da Secretaria de Segurança Pública desde o início do mandato do governador Ibaneis Rocha (MDB), Anderson Torres faz uma análise positiva dos resultados da pasta ao fim do primeiro ano no cargo. ;Estatisticamente e faticamente, Brasília está mais segura;, diz, em entrevista ao Correio. Ele destaca as quedas de 12,9% no número de mortes no Distrito Federal ; de 458 para 399 ; e de 12,7% nos crimes contra o patrimônio ; de 47.886 para 41.788. Os dados contabilizam ocorrências de janeiro a novembro deste ano, em relação ao mesmo período de 2018. ;No DF, nós temos uma população que aumenta, um efetivo menor e uma quantidade de crimes diminuindo. Isso não é fácil. Isso é um reflexo da estratégia, da inteligência e da tecnologia;, afirma.
Apesar da redução nos níveis gerais, os casos de feminicídio cresceram. De janeiro a novembro deste ano, foram registrados 30 casos, contra 28 em 2018, um aumento de 15,4%. ;Para o ano que vem, acredito que o grande desafio é apostar na prevenção, realizando palestras de conscientização. Precisamos plantar isso na sociedade e mostrar, desde cedo, que o caminho (do crime) não é esse;, explica.
Na avaliação do secretário, uma das principais dificuldades do primeiro ano foi lidar com as rixas históricas entre as instituições das forças de segurança da capital. ;Mostrar que não existe essa coisa de cada um faz o seu e acabou. Isso foi muito difícil. É uma cultura muito arraigada aqui no DF, nas forças. Mas acho que estamos vencendo isso, e as pessoas estão entendendo;, avalia.
Para Torres, no Brasil, o gargalo da segurança pública está na dificuldade em lidar com criminosos após as prisões. Ele entende que há erros na soltura de presos em determinados casos, mas também defende que deter e não oferecer possibilidade de ressocialização efetiva é ineficiente. ;O Brasil precisa parar e discutir o que fazer do momento da prisão em diante.;
Confira os principais trechos da entrevista:
Diante dos números, o grande desafio ainda é o feminicídio?
Neste ano, não alterou muito, mas foi um número superior ao do ano passado. Eu atribuo esse aumento a uma questão cultural, como o machismo, o preconceito e as inversões culturais. Além disso, também há a especificação das investigações. Eu acredito que, a cada dia, as investigações conseguem provar que os crimes, realmente, têm caráter de feminicídio. Para o ano que vem, acredito que o grande desafio é apostar na prevenção, realizando palestras de conscientização. Precisamos plantar isso na sociedade e mostrar que o caminho não é esse. O menino, desde pequeno, precisa aprender que a mulher não é propriedade. As coisas mudam, e nós precisamos auxiliar nisso.
Um marco de 2019 para o senhor, então, foi a abertura da discussão desse tema?
Eu vejo que a abertura da discussão foi importante porque aborda uma questão cultural, uma série de preconceitos, conceitos, tradições e isso precisa ser mudado. Olhando a estatística deu para ver que o assunto é muito importante e acredito que estamos no caminho certo.
Esse trabalho precisa de todas as outras pastas do governo. Essa integração está acontecendo?
Sem sombra de dúvidas. É um assunto debatido por todas as pastas aqui do DF. O trabalho começou pela criação da Secretaria da Mulher, que realiza os acolhimentos e que tem uma importância muito grande nesse trabalho. Todas as pastas falam disso, a Secretaria da Educação e a Defensoria Pública, o que ajuda. Nós estamos começando a criar essa cultura.
O feminicídio também é uma questão nacional, que vai além do DF?
Eu acho que nós temos condições de chegar em um total de zero feminicídios. Porque isso é uma questão muito cultural. No Rio de Janeiro, o número que nós temos em um ano, às vezes, ocorre em um dia. E, digo mais, isso ocorre no Brasil diante de um cenário que não se especializou. Brasília está muito avançada na questão da especialização da investigação. Na nossa gestão, isso virou emblemático.
Os homicídios saíram de 716, em 2014, para 374, neste ano. A que o senhor atribui essa queda sequenciada no número de casos?
Nós estudamos aquela questão das manchas criminais para direcionar os efetivos. Desde o princípio, nós conseguimos atingir quase 100% daquilo que eu acho ideal, que é colocar a PM na rua e diminuir o expediente administrativo. Nós estamos com um efetivo de 1,5 mil policiais a mais nas ruas. No DF, nós temos uma população que aumenta, um efetivo menor e uma quantidade de crimes diminuindo. Isso não é fácil. Isso é um reflexo da estratégia, inteligência e tecnologia. É claro, nas regiões mais violentas do DF nós ainda precisamos evoluir muito, como no Sol Nascente, no Pôr do Sol, na Estrutural. Além disso, a desarticulação das organizações criminosas é muito importante. Grande parte desses homicídios se dão a partir de conflitos entre gangues do tráfico.
Havia o temor de que a vinda de líderes de organizações criminosas para o DF fosse causar aumento no número de crimes. Isso se concretizou?
O temor não era só de aumentar esses crimes (letais), mas também os crimes contra patrimônio, porque eles precisam de dinheiro para fomentar as respectivas quadrilhas. Desde que eles chegaram, a Polícia Civil começou a monitorar, com a realização de três operações no DF, para prender essas pessoas. A ideia é não deixar isso se estruturar aqui. O pessoal da Polícia Civil teve de se empenhar muito nesse trabalho de inteligência. Se eles se estruturarem aqui, observando outras capitais do país, aí os resultados os senhores já conhecem.
O senhor continua achando que foi um erro a vinda dessas pessoas pra cá?
Eu acho que foi um erro de estratégia. Como eu sempre digo, faccionados dessas organizações com peculiaridade nacional sendo trazidos para o DF é um erro estratégico muito grande.
Neste primeiro ano, quais foram as principais dificuldades e os gargalos da gestão?
O primeiro foi fazer as pessoas entenderem as instituições e os atores da segurança pública que precisavam trabalhar de forma integrada, mostrar que não existe essa coisa de cada um faz o seu e acabou. Isso foi muito difícil. É uma cultura muito arraigada aqui no DF, nas forças. Acho que estamos vencendo isso, e as pessoas estão entendendo que as polícias precisam se unir, que o Corpo de Bombeiros precisa estar junto, o Detran também.
Como está a questão dos reajustes para a Polícia Civil e para os militares? Houve reclamação dos militares sobre a proposta apresentada...
A questão do reajuste é muito difícil. Os valores são muito altos, e o DF está em crise. O governador tinha o compromisso de campanha, e nós conseguimos fechar isso. Nós também vivemos um momento antagônico na questão do aumento, porque queremos dar a reposição salarial. Sobre as reclamações, o governo fez a reforma da Previdência e, agora, está fazendo a reforma dos militares, que aumenta as alíquotas. Então, na hora de realizar o acerto na primeira parcela, com as novas alíquotas, o salário acaba diminuindo muito. Mas o GDF está fazendo sacrifício enorme para tentar atender a demanda. Um aumento de 30% é complicado.
Esses números finais dos militares ainda estão em ajuste?
Nós tivemos uma reunião para tratar isso nos últimos dias. Eu acho que até semana que vem estará resolvido.
Também haverá dificuldade para aprovar no Congresso. Como fazer para passar lá?
Está sendo montada uma estratégia interessante. Precisaremos muito do apoio dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado. Davi Alcolumbre. A bancada do DF também se comprometeu a ajudar.
Há alguns projetos contestando o Fundo Constitucional no Congresso. Qualquer mudança teria impacto muito grande para a segurança pública do DF. Como o senhor vê essa possibilidade?
Eu vejo esse impacto além da segurança pública, mas para todo o Distrito Federal. Eu digo sem medo de errar: se isso acontecer, o DF quebra. O DF não se estrutura mais sem o Fundo Constitucional, porque as contas estão todas estruturadas contando com ele.
Neste ano, houve muitos crimes emblemáticos, como o do menino Rhuan e o do padre Casemiro. Como o senhor avalia a atuação das forças de segurança nesses casos?
O ideal é que esses casos não ocorram, mas, em relação ao que foi feito, os crimes foram todos apurados e os responsáveis foram presos. Acredito que o nosso trabalho foi feito.
O senhor acha que a identificação dos culpados mostra a qualidade da investigação da Polícia Civil?
Mostra, sim. A Polícia Civil retomou seu papel no DF. Eu fazia essa crítica em anos anteriores, porque sou oriundo da PCDF. Mas ela retomou o seu papel e pôde esclarecer todos esses crimes que ocorreram no DF.
Fazendo um balanço do ano, o senhor acredita que a principal conquista deste ano foi a redução dos homicídios?
Eu destaco a redução de homicídios, mas também a redução de crimes contra patrimônio. As pessoas não saem de casa com medo de morrer, mas com medo de ser assaltadas. Então, considero que a redução dos crimes contra o patrimônio foi uma grande vitória para nós da secretaria e para o DF.
Mesmo com a redução, ainda são números altos. O que fazer nos próximos anos para reduzir mais?
O crime é um negócio. O cara vai aonde o dinheiro está mais fácil, como é o caso do roubo de celular. Então, o crime contra o patrimônio é o nosso maior desafio. Não há um policial para cada esquina da cidade e quem pratica esses crimes está atento a tudo. Com o advento da tecnologia e da inteligência, nós estamos conseguindo uma eficácia disso. Eu acho que é continuar trabalhando pesado. Os números não são os que nós queríamos que fossem, mas acredito que estamos no caminho certo.
Debate-se muito a questão da reincidência, de criminosos que são presos, mas saem da cadeia e voltam a cometer delitos. Como resolver esse problema?
Se me perguntassem hoje onde está o problema da segurança pública no Brasil, eu diria que está nesse meio, no que se faz depois da prisão em flagrante. Vai ser solto, quem vai ficar preso, por que vai ficar preso ou por que vai ser solto? Também não adianta nada prender, jogar numa masmorra e achar que aquilo ali vai resolver o problema, principalmente em determinados tipos de crime. Mas também precisamos ver quem deve estar preso. Precisamos rever os modelos da audiência de custódia. Eu acho que um crime contra o patrimônio é um crime gravíssimo, não vejo com bons olhos a pessoa ser liberada na audiência de custódia após cometer um crime desses. O Brasil precisa parar e discutir o que fazer do momento da prisão em diante.
No caso de menores infratores, como tem sido feito o acompanhamento desses jovens?
É um problema grave, pois há um incentivo dos maiores para que o menor comenta os crimes. São crianças que são facilmente cooptadas em razão do tempo que elas ficam presas, que geralmente é menor. Eu sou a favor da redução da maioridade penal, pois vejo uma diferença muito grande de uma criança de 16 anos para as crianças de 16 anos da minha época. Hoje, as crianças têm uma visão de mundo muito diferente e isso precisa refletir no direito penal.
Mas o que tem sido feito na questão do acompanhamento?
Na secretaria, nós realizamos um trabalho de investigação e repressão. A parte de prevenção nós fazemos muito pouco. A Delegacia da Criança e do Adolescente faz um trabalho mais direcionado, mas acredito que o Estado precisa acompanhar essas famílias. No primeiro dia que a criança bate na delegacia, é preciso que a Subsecretaria de Prevenção à Criminalidade atue, porque ainda dá pra salvar. Ainda precisamos evoluir muito nisso, de tentar tirar esses menores do mundo do crime.
Com os números em queda, torna-se um desafio maior ter índices menores nos próximos anos. A perspectiva é essa? O senhor acha que é possível diminuir o número de homicídios em 2020?
A perspectiva é essa. Os números, realmente, são muito baixos. Eu tenho setores que estão muito preocupados com essa diminuição. Nós vamos continuar trabalhando para acelerar essa redução e o objetivo principal é esse. Eu tenho feito um trabalho muito próximo do comando das corporações e discutimos muito a operacionalidade deste trabalho. Nós não queremos protagonismo de nada e o trabalho precisa ser conjunto.
A redução é histórica, vem de alguns anos. Isso mostra que o trabalho da gestão anterior estava sendo bem-feito?
Acredito que sim. Havia uma série de ações certas. As forças de segurança daqui são perenes, fortes. Acho que a engrenagem não estava muito correta, mas como são instituições muito fortes, elas estavam acertando muito, ainda assim.
Neste ano, começou o projeto de gestão compartilhada nas escolas. Depois de um tempo de experiência, como o senhor vê essa iniciativa? Como foi a recepção da população em relação a isso?
Eu acho que foi mais um gol que fizemos aqui. Considero um projeto de extrema relevância, não só no presente, mas também para o futuro. Fechamos o ano com 12 escolas e a ideia é evoluir para 20 no final de 2020. Enviei uma minuta de projeto de lei para análise do governador criando os cargos para os policiais, pois, com o efetivo que eu tenho, não será possível suprir tudo. Teremos de trazer os policiais da reserva para ocupar esses cargos. Acredito que é um grande projeto. A sociedade apoia, nós temos uma briga para conseguir vagas nessas escolas.
Nesta semana, houve a aprovação do pacote anticrime na Câmara dos Deputados. Quais são as avaliações do senhor sobre esse projeto e que impactos ele terá na atuação das forças de segurança?
O pacote é muito importante, porque atua muito na fase pós-prisão. Ele agiliza o trâmite dos processos. Fico feliz que o projeto foi aprovado e acho que foi um grande avanço. O que vier para agilizar o processo penal sempre é bom. Tem também a questão do excludente de ilicitude, que não entrou, mas é muito importante. Estou na polícia há 20 anos e vejo que isso é a grande agonia do policial. Não é um direito de matar, porque isso não existe no mundo moderno. Por outro lado, em um evento de reação é importante ter essa retaguarda. Os policiais passaram os últimos 10 anos muito acuados. Ninguém tem que sair por aí matando ninguém, mas na sua profissão você precisa usar todos os meios que vão te auxiliar e o policial também.
Nessa questão do excludente de ilicitude, o senhor acha que o policial está preparado para lidar com essa permissão? Pensando até nos problemas de saúde mental...
A polícia não pode parar, o treinamento é constante e o perfil dos policiais mudou muito. Se eles estão prontos ou não para lidar, aí é outra questão. Mas acredito que a grande maioria esteja, sim. Quanto ao atendimento psicológico, a polícia precisa melhorar muito nisso. Dá-se muita pouca atenção e, por isso, nós temos muitos afastamentos.
Nós tivemos dois casos recentes em que a atuação dos policiais foi questionada. Em São Paulo, no caso de Paraisópolis e no caso do médico que morreu durante uma abordagem aqui no DF. Que avaliação o senhor faz dessas abordagens?
Na situação do DF, eu prefiro esperar o final do inquérito para poder me manifestar. Infelizmente, não há uma imagem do ocorrido. É uma atitude que não dá pra compreender, principalmente em relação ao policial reformado, se ele sacou ou não a arma para a viatura. Precisamos juntar esse quebra-cabeça direitinho pra ter certeza de tudo. Sobre Paraisópolis, eu penso a mesma coisa. Eu vi algumas imagens de como as coisas funcionam lá. Muitas pessoas armadas, com fuzis e metralhadoras, então é difícil ter qualquer posicionamento agora. Em relação ao médico: eu lamento, mas precisamos avaliar tudo com base nos fatos.