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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 10/12/2019 04:31
Mestre do choro

Um jornalista carioca definiu a cítara como um instrumento muito próprio para ser tocado por centopeias e polvos. Quem cresceu em Brasília nas duas primeiras décadas da cidade teve o privilégio de assistir Avena de Castro dedilhando a cítara como se ela pertencesse originalmente aos regionais de choro. Jacob do Bandolim dizia que Avena era o seu melhor intérprete.

Mas, além de excelente instrumentista, poucos sabem que Avena foi um

magnífico compositor e um líder fundamental para a consolidação do choro em Brasília. Em julho de 2016, a flautista Beth Ernest Dias comandou, no Clube do Choro, uma memorável aula-espetáculo, que fez com que a figura mítica de Avena de Castro ganhasse corpo, presença, sopro e voz. Desde 2012, ela acordava, almoçava, dormia e sonhava com os tempos pioneiros e românticos do choro envolvidos no meio das nuvens e da poeira.

Com a cabeça de instrumentista e educadora, concebeu um projeto em três frentes, batizado de Sábado à tarde: um livro para contar a história, dois CDs para revelar a excelência do compositor e um caderno com cifras e melodias de Avena para que seja tocado em qualquer escola ou roda de choro. No decorrer da pesquisa, Paulinho da Viola ligou várias vezes para evocar histórias. Em uma delas, contou que, quando tinha 15 anos, no Rio de Janeiro, assistiu Avena tocar e ficou impressionado com a qualidade das composições.

É precisamente essa qualidade do compositor que Beth revelou com a participação de três gerações de instrumentistas de primeira linha. Mesmo sem letra, cada composição é uma crônica que narra a história da música na cidade. Avena compôs lindas e fantasiosas melodias. A belíssima Sábado à tarde foi dedicada às rodas musicais no apartamento do jornalista Raimundo Brito, que, guardadas as devidas proporções, estão para a história do choro em Brasília como a casa da Tia Ciata esteve para a invenção do samba no Rio de Janeiro.

Divina flauta homenageia Odette Ernest Dias, a dona do apartamento que se transformou no reduto dos saraus brasilienses, depois da morte de Raimundo de Brito, nos anos 1970. Evocação de Jacob do Bandolim celebra o amigo que, a meu ver, exerceu influência decisiva na constituição do choro em Brasília. As composições puxavam fios de uma história que estava se perdendo irremediavelmente.

O projeto de Beth Ernest recolocou Avena de Castro na corrente sanguínea da música popular brasileira. Foi uma celebração de Avena e da música brasiliense, pois subiram ao palco três gerações de instrumentistas.

Evoquei o projeto e a apresentação no Clube do Choro porque, na última sexta-feira, dia 7 de dezembro, Avena de Castro faria 100 anos. E, no entanto, a data passou completamente em brancas nuvens. Isso não poderia acontecer, pois o citarista foi um dos líderes do primeiro núcleo do choro no planalto e o primeiro presidente do Clube do Choro, que se tornou referência nacional. Merecia uma celebração musical. É essa a história que confere dignidade a Brasília e não podemos esquecê-la.




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