Cidades

Ceia solidária

Banho, corte de cabelo e maquiagem, apresentações de grupos de balé e coral e um banquete foram a programação de festa de Natal para moradores de rua, promovida por voluntários, ao lado da Biblioteca Nacional de Brasília

Correio Braziliense
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postado em 16/12/2019 04:16
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Por onde passa, Jerusalina Lourenço das Neves vai com um largo sorriso no rosto, cumprimentando conhecidos. Durante comemoração de Natal para moradores de rua ao lado da Biblioteca Nacional de Brasília, entre voluntários e desabrigados, era difícil encontrar alguém que não a conhecia. ;Há 10 anos, eu me espalhei pela cidade e fiz amigos. Aqui, encontro todo mundo.; Do Tocantins, Jerusalina veio para Brasília na década de 1980 e, há mais de 10 anos, carrega toda a uma vida espremida dentro de uma bolsa e uma mochila escolar cor-de-rosa.

A filha, de 6 anos, ficou com uma irmã que pode cuidar da menina. ;São muitas as dificuldades de um morador de rua. O preconceito, a humilhação, as palavras duras que machucam a gente e os abusos;, conta. Apesar das adversidades, a mulher, que já trabalhou como doméstica e lavando carros, inspira alegria. Sobretudo quando está rodeada de cuidados, carinhos e ; por que não? ; paparicos. ;O que recebemos aqui deixa a gente menos triste, parece que fico mais leve. Fortalece a gente;, diz.

Há quase um ano, Jerusalina participa dos banhos dominicais promovidos pelo projeto Banho do Bem, idealizado por Adriana Calil, que oferece chuveiro com água quente, roupas novas, cuidados especiais, como cortes de cabelo e maquiagem, além de atendimento psicológico. Jerusalina é um dos xodós dos voluntários e, ontem, tinha dois motivos para comemorar: o aniversário de 48 anos e a participação no evento ;Bailarinas por que não?! & Banho do bem numa noite de gala;.

Sonhada por Cláudia Bengtson, idealizadora do evento, a celebração proporcionou uma festa natalina especial e mágica para moradores de rua com ceia, apresentação de coral, música erudita e balé. Ao longo de todo o dia, os convidados se prepararam para o grande momento. Além dos cuidados de banho, com roupa e cabelo, os beneficiados receberam comida, desfrutaram de um banquete assinado pela chef Raquel Amaral e do show do cantor lírico Silas Gomes. ;A ideia foi mostrar que a gente, unindo forças, pode transformar a vida das pessoas. Foi uma noite mágica e que tem poder, sim, de realizar mudanças;, afirma Cláudia.

Ajudar e ser ajudado
A vontade de ampliar o alcance da mensagem de superação do grupo Bailarinas por que não?! ganhou corpo e forma com o apoio e a colaboração de várias pessoas. ;O coral costuma se apresentar em vários lugares, mas, ontem, sem dúvidas, foi especial. São pessoas que talvez nunca teriam essa oportunidade. Foi uma troca mútua e importante;, detalha Kristian Bengtson. Ele integra o coral diplomático Vox Mundi e, ao lado de americanos, alemães, japoneses, suecos e brasileiros, tocou músicas natalinas para os convidados.

O cearense José Humberto Silva, 55, guardou a camisa ;elegante; para vestir na festa de gala. A história do morador de rua lembra a de candangos que saíram do Nordeste em busca de emprego e novas oportunidades na capital federal. Há pouco mais de dois meses na cidade, José aguarda o auxílio-vulnerabilidade sair e, enquanto isso, vive no que ele chama de Central Park de Nova York, o Parque da Cidade. ;Morar na rua é periclitante, mas tem esse lado social que é positivo, que nos permite estar com as pessoas e sair um pouco da tristeza;, conta.

Enquanto se arrumavam para a noite de festa, os moradores de rua conversavam entre si e contavam histórias aos voluntários. Assim como Jerusalina, outros são conhecidos pelo nome e recebidos com total atenção pelos ajudantes. ;É fazer o bem sem olhar a quem. Aqui aprendi que a gente não é nada nesse mundo e, muitas vezes, reclamamos de problemas muito pequenos;, relata a aposentada Maria de Lurdes Souza da Silva, 56. Há três meses, ela participa das atividades do projeto Banho do Bem ao lado da filha, de 38 anos, e do neto, de 14.

Ao todo, cerca de 83 pessoas participaram do evento. ;O que oferecemos foi acolhimento. Eles sentem faltam disso;, conta Adriana Calil. No palco montado ao lado da Biblioteca Nacional, mais do que apresentações culturais e toda a preparação que antecedeu a festa, os moradores encontraram um olhar de atenção e cuidado. ;Eles se olham de maneira diferente, e queremos mostrar que são capazes de sair dessa situação;, afirma Adriana.



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