Cidades

Desafios para 2020: economia do DF enfrenta dependência do poder público

Centro político do país e, ao mesmo tempo, a segunda unidade federativa mais desigual, o DF precisa enfrentar a dependência do poder público e encontrar meios para garantir desenvolvimento e oferecer oportunidades de modo equitativo

Thais Umbelino*, Jéssica Eufrásio
postado em 18/12/2019 06:00
[FOTO1]Ainda que lentamente, os setores de indústria, agropecuária e serviços do Distrito Federal começaram a reagir no último trimestre e apresentaram variação positiva. Mesmo assim, a economia local ainda guarda forte relação com o funcionalismo público, e a força dessa área influencia outra questão: a concentração de renda. A terceira matéria da série do Correio sobre os desafios para 2020 fala sobre a importância da diversificação econômica como alternativa para garantir empregabilidade.
Em 2017, o Distrito Federal ficou em primeiro lugar entre as unidades da Federação com maior desigualdade salarial, segundo dados do Índice Gini, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De 2012 a 2018, o DF só esteve em segundo lugar duas vezes: em 2013 ; quando ficou atrás do Amazonas ; e em 2018 ; ano em que Sergipe liderou o ranking. O levantamento considera os números obtidos por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.

O setor público, além de concentrar as maiores rendas, ainda é responsável pela restrição de boa parte do orçamento distrital. De 2015 a 2019, a porcentagem destinada a gastos com pessoal e encargos sociais correspondeu, em média, a 61,8% do valor do Tesouro (composto pelos fundos do próprio DF). Para 2020, a previsão é de que R$ 14,712 bilhões (57% do total) saiam dos cofres públicos para liquidar esses gastos.

Com obstáculos para uma economia mais forte, esse panorama revela não só a desigualdade, mas também a dependência do funcionalismo público. Por isso, especialistas acreditam que atividades do setor privado podem ganhar mais espaço a partir de 2020, especialmente se as previsões de recuperação do número de vagas no mercado de trabalho se concretizarem. Nichos como saúde, hotelaria, tecnologia e economia criativa são alguns dos que tendem a ganhar mais destaque na capital federal.

Confiante nessa recuperação, Gilberto Stocco, 42 anos, decidiu empreender no ramo da hotelaria. Em maio, o curitibano investiu na construção de um prédio de flats em Taguatinga. ;É um complexo com mais de 1.160 apartamentos. Ele está na fase de vendas e tem previsão de abertura em meados de 2020. No condomínio-hotel, os moradores pagam uma mensalidade fixa e podem usufruir dos serviços prestados;, detalha.

A ideia surgiu após uma análise do mercado brasiliense. ;Cheguei em 2011 à capital e percebi que, por ser uma região governamental, ela recebe pessoas de várias cidades a trabalho. O executivo não está preocupado com as estrelas do hotel, mas com conforto, boa internet e um bom café da manhã;, avalia. ;Como alguns funcionários de empresas de fora têm necessidade de passar um período em Brasília, é possível usufruir dos flats por 30 dias e fugir de diárias mais caras oferecidas por hotéis executivos;, completa Gilberto.

Tendências


Desinchar a máquina sem diminuir a qualidade dos serviços oferecidos à população requer estratégia. Como efeito disso, a realização de menos concursos públicos deve permanecer em 2020, segundo César Bergo, presidente do Conselho Regional de Economia (Corecon-DF). ;O mercado de trabalho de Brasília é característico por ser dependente do setor público. Como a esfera federal está voltada para enxugar gastos, a União está reticente em gerar emprego e rever contratos;, analisa. ;Isso afeta diretamente o mercado de trabalho, pois diminui o número de polos ofertados.;

Ele destaca, ainda, que, em função das mudanças econômicas, o DF será obrigado a encontrar alternativas criativas para estimular a empregabilidade. O mesmo vale para quem quiser investir no próprio negócio. ;A área tecnológica deve receber grande incentivo em investimentos de empresas interessadas. Do ponto de vista do governo local, temos observado iniciativas com foco na construção civil e para a abertura de empreendimentos. Isso é crucial para uma retomada nas atividades;, opina.

Otimista com as expectativas para a área de tecnologia, Avaldir Oliveira, 68, apostou em uma startup neste ano. A plataforma Wynk permite ao consumidor ganhar pontos a cada real gasto em estabelecimentos credenciados. ;Testamos durante todo o ano de 2018 por meio de campanhas no Dia dos Namorados, Dia dos Pais e no Natal. Também ampliamos o formato do aplicativo para atuar em várias áreas do varejo, por meio da coleta de informações dos lojistas, captura de QR code das notas fiscais e distribuição de pontos para que o cliente troque por produtos e serviços. Atualmente há 5.342 participantes;, diz.

Investimentos


A aprovação da Reforma da Previdência aponta para outra tendência. O tempo de contribuição será maior para quem ingressar no sistema; por isso, a professora Diana Vaz de Lima, do Departamento de Contabilidade da Universidade de Brasília (UnB), alerta para a necessidade de uma mudança comportamental financeira. ;As pessoas têm de se preparar e ter em mente que o benefício previdenciário será menor que o esperado;, comenta.

;O brasiliense, assim como a maior parte dos brasileiros, não guarda dinheiro e acaba dependendo do governo para garantir o pagamento da aposentadoria;, observa Diana Vaz. Ela acrescenta que buscar aplicações em modelos variados pode ajudar. ;Seja investindo pessoalmente aquele valor que sobra ; mesmo que pequeno ;, seja abrindo um plano de previdência complementar.;

Atenta a esse processo, a advogada Ana Luiza Nicolini, 21, passou a investir depois de acompanhar assuntos econômicos por meio de canais de educação financeira no YouTube. ;Os vídeos que vejo sempre ressaltam a necessidade de (se ter) uma reserva de emergência e incluem indicações de livros e conteúdos afins. Hoje, tenho ações na Bolsa de Valores e (investimentos) no Tesouro Direto;, conta. O conteúdo aprendido é repassado aos amigos e familiares, segundo ela. ;Tento incentivar as pessoas a terem consciência financeira e evitarem consumo imediato;, recomenda.

* Estagiária sob supervisão de Marina Mercante

Quatro perguntas para Ruy Coutinho, secretário de Desenvolvimento Econômico

Quais são as metas para 2020 para o desenvolvimento econômico do DF?

O principal que temos é o Desenvolve-DF (aprovado na Câmara Legislativa na quinta-feira passada). Estamos analisando as emendas propostas para levarmos à sanção do governador (Ibaneis Rocha). Tenho convicção de que isso vai atrair muitos investimentos. Até pelo fato de estarmos vivendo um processo de desenvolvimento lento, porém sustentável. Essa nova versão blinda, de certa forma, o governo das distorções e dos problemas que os programas anteriores (Pró-DF I e II) tiveram.

O que mais está previsto?

Há programas macro. As três privatizações: CEB (Companhia Energética de Brasília), Caesb (Companhia de Saneamento Ambiental) e Metrô (Companhia do Metropolitano). Assinamos o acordo de cooperação técnica que envolve as três estatais. Há, ainda, o programa de trazer o gasoduto Brasil-Bolívia para Brasília, porque o DF não tem fornecimento regular de gás. Ele é trazido por via rodoviária. É obra grande, de 904 quilômetros de extensão de São Carlos (SP) a Brasília, que deve levar todo o período de governo. Sem falar nos programas de alcance específico, como o de Pequenos Reparos, na área da educação. E estudamos para o setor da saúde. Os microempreendedores individuais (MEIs) fazem um cadastro, e os diretores de escolas que precisarem fazer obras pequenas, de até R$ 8 mil, não precisarão fazer licitação. Eles poderão contratar um MEI para isso.


Quais nichos têm força para se destacar?

A área de ciência e tecnologia. O BioTIC (Parque Tecnológico de Brasília) pode ser potencializado e crescer muito. É uma vocação de Brasília. Até por limitações legais, aqui não há vocação para empresa pesada. Quanto ao turismo, a secretária (Vanessa Chaves) está fazendo um excelente trabalho de promoção do setor. Há quatro voos internacionais chegando e partindo de Brasília: Cancún, Lima, Santiago e, agora, Assunção. É importante ter essas ligações diretas com outros países da América Latina, levando em consideração que Brasília é um hub de distribuição de passageiros para todo o país. A expectativa é de que haja um incremento do turismo potencializado também pelos 60 anos da cidade.


E o que pode ser feito para diminuir a desigualdade?

A distribuição da renda per capita (no DF) é absolutamente injusta. É muito importante, em primeiro lugar, da maneira mais enfática possível, a geração de empregos na área da indústria, do comércio e dos serviços. E não fazer uma distribuição populista de qualquer benesse. O DF é unidade pequena, não faz sentido passar por distorções como tem passado. A própria dimensão facilita uma equalização melhor da questão da renda. Isso que faz diferença. E infraestrutura. Ou com o governo diretamente ou por meio de parcerias público-privadas, concessões; Principalmente nas regiões administrativas que têm mais dificuldade.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação