postado em 18/12/2019 04:40
Sempre gostei das feiras, do clima de bagunça organizada, do burburinho, do cheiro de legumes e dos pregões bem-humorados. Deve ser efeito da ascendência nordestina. As feirinhas imprimem um colorido e acento telúrico ao artificialismo do Plano Piloto. Espalham-se pelas superquadras, pelas entrequadras e pelas cidades-satélites.
Quando viajava para o Nordeste, sempre costumava visitar as feiras. Lá, elas têm um elemento de humor muito vívido nos bordões para chamar a atenção dos compradores: ;O patrão morreu e a viúva enlouqueceu. É pra acabar freguesa;.
Recentemente, voltei a frequentar as feirinhas. E posso assegurar que vale a pena sob todos os aspectos: da economia à qualidade dos alimentos, passando pelo contato com a riqueza humana. A primeira diferença é o gosto das frutas e dos legumes.
Mesmo os que não são orgânicos apresentam distinção notável. É o caso das bananas, muito mais doces e saborosas do que as dos supermercados. Parece que germinaram da terra e não de um laboratório.
As maiores são as que contêm mais agrotóxicos ou, segundo a versão de autoridades do Ministério da Agricultura, produtos fitossanitários. Os legumes também são mais saudáveis, percorrem uma distância menor, passam por menos intermediários para chegar até o consumidor.
Do ponto de vista econômico, as feirinhas das cidades-satélites são importantíssimas para as classes populares. Elas são uma riqueza. Com qualquer R$ 20 ou R$ 30, ninguém passa fome. Leva para casa um maço de cenoura, de couve, de alface ou uma abóbora. Ou, então, um quilo de feijão-de-corda, uma dúzia de laranja ou de ovos.
E existe a riqueza humana. Eu e minha esposa fomos à banca de uma angolana com cara de brava. Alguém que havia comprado bananas desistiu e pediu o dinheiro de volta. A dona da banca ficou indignada. Minha esposa tentou explicar e sobrou para nós: ;Ela tem coração ruim. E vocês também têm coração ruim;.
Para compensar, logo nos deparamos com outra angola extremamente gentil. Eu miro nos olhos das pessoas à procura de uma luz da bondade. E me jacto de acertar na maioria das vezes. Senti esse lume bastante intenso ao olhar para aquela mulher. Sempre compro bananas na banca dela.
Mas, certo dia, apareci por lá e fui atendido pelo filho da angolana. Perguntei quanto custava a banana e ele me respondeu que valia R$ 8. Eu tinha comprado na semana anterior por R$ 5 e questionei. Não sou morrinha, gosto de pagar o preço justo, mas não quero ser explorado.
A mãe angolana viu, ordenou ao filho, com afeto, mas com autoridade, que vendesse por R$ 5. Ele obedeceu sem titubear. Mas, ela não considerou que era suficiente.
A luz serena de bondade repontou nos olhos, ela apanhou uma batata-doce da banca e nos ofereceu para dissipar qualquer nuvem de ressentimento pela negociação tumultuada. Nem gosto de batata-doce, mas aceitei o legume para selar a paz, tocado pela delicadeza daquela mulher do povo.