Cidades

Despedida e detenção

Luciana de Melo Ferreira, 33ª vítima de feminicídio neste ano no Distrito Federal, é enterrada em cerimônia marcada pela dor. Suspeito do crime tem prisão preventiva decretada, mas continua internado

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 26/12/2019 04:14
Familiares e amigos da servidora do TSE fizeram cerimônia íntima no Cemitério Campo da Esperança ontem
Após o choque de um crime bárbaro, a dor do luto. Luciana de Melo Ferreira, 49 anos, foi enterrada ontem no Cemitério Campo da Esperança, na Asa Sul. A cerimônia íntima comoveu familiares e amigos e reforçou que a servidora terceirizada do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é mais do que um número. Para a polícia, a vítima do 33; feminicídio do ano no Distrito Federal lutou contra as agressividades de Alan Fabiano Pinto de Jesus, 44, mas acabou assassinada pelo vigia após um planejamento descrito pelos investigadores como cruel. O ex-namorado é o principal suspeito do crime no último sábado. Poucas horas antes do sepultamento de Luciana, ele teve prisão preventiva decretada pela Justiça.

No velório, a filha de Luciana, de 26 anos, recebeu apoio do pai, do namorado e de parentes. Ela morava com a mãe, mas estava fora de casa no último fim de semana. A família fez orações na Capela 7 e realizou um enterro sem a presença da imprensa. Rosângela Ferreira, 53, participou. Ela havia se aproximado da vítima neste ano. ;Faço parte de um motoclube e conheço o Alan há anos. Meses atrás, ele nos apresentou a Luciana, e vimos que ela era uma pessoa alegre, correta, muito simpática. Era fácil fazer amizade, tanto que fomos ficando próximas e conversando muito;, contou.

Já o suspeito do crime é descrito de outra forma por Rosângela. ;Sempre foi meio explosivo, turrão. O namoro vinha conturbado há um tempo, eles terminaram e voltaram algumas vezes. Mas nunca imaginamos que o Alan seria capaz de uma barbárie dessa;, disse. Ela lembra que o vigia havia sido preso em outubro e considera que agora fica uma sensação de impunidade. ;A mulher não pode deixar que se tire uma medida protetiva a favor dela (leia Entenda o caso), a Justiça não pode permitir;, criticou.

Periculosidade
A audiência de custódia de Alan ocorreu ontem. O vigia teve decretada pela Justiça a conversão de prisão em flagrante para preventiva. A juíza Lorena Alves levou em consideração que ;o modus operandi adotado retrata a periculosidade do autuado e a gravidade da conduta;. Segundo o delegado responsável pela investigação, Ricardo Viana, da 3; Delegacia de Polícia (Cruzeiro), o acusado golpeou a vítima cerca de 40 vezes, provavelmente com uma faca. A defesa pediu a liberdade provisória e sem fiança, argumentando que o cliente não foi ouvido. Alan está internado no Hospital de Base, onde deu entrada ferido, após suspeita de crise nervosa. As causas dos machucados ainda são apuradas.

A juíza ressaltou que o custodiado deve ser ouvido pessoalmente assim que tiver o quadro de saúde restabelecido. No hospital, o homem negou o crime. Mas, de acordo com o termo de audiência, ;constata-se a materialidade do delito, bem como a existência de indícios de que o indiciado seja, em tese, o autor das condutas a ele imputadas, conforme declarações do condutor, das testemunhas e ainda pelas filmagens do circuito interno do condomínio da vítima;. Também foi levado em consideração o histórico penal de Alan, que já esteve preso em flagrante por violência contra Luciana. De acordo com os autos, ;acrescente-se a certidão de passagens do indiciado que demonstra o histórico de violência doméstica e familiar contra a vítima. É possível afirmar que há indícios suficientes de que o autuado praticou o crime. O fato é gravíssimo e a prisão se mostra necessária;.


Onde pedir ajuda?

; Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência ; Presidência da República ; Telefone: 180 (disque-denúncia)

; Centro de Atendimento à Mulher (Ceam) ; De segunda a sexta, das 8h às 18h ; 102 Sul (estação do metrô), Ceilândia e Planaltina

; Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) ; (61) 3207-6172

; Ministério dos Direitos Humanos ; Telefone: 100

; Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar ; Telefones: (61) 3910-1349 / (61) 3910-1350


Entenda o caso

Medida protetiva revogada

Dois episódios de violência cometidos por Alan foram lembrados pela família de Luciana em depoimento. A filha contou aos delegados que, em julho deste ano, o vigia quebrou com chutes a porta de vidro da entrada do prédio da vítima, no Sudoeste, irritado porque ela não o deixou subir.
Em outubro, quando a servidora terminou de vez o relacionamento, o homem tentou jogar o carro contra uma árvore, mas ela pulou do veículo em movimento. Alan foi preso na época, mas liberado com uso de tornozeleira eletrônica e medida protetiva a favor de Luciana. Em 4 de dezembro, a medida foi revogada, com aval da vítima. Um dia depois, ele voltou a procurá-la. ;Infelizmente, a situação se agravou nos dias seguintes, chegando ao extremo da prática do feminicídio ora objeto do flagrante;, consta em termo de audiência.
No sábado, de acordo com as investigações, Alan foi ao edifício onde Luciana morava, inseriu uma senha de abertura da porta do condomínio e a esperou de tocaia durante duas horas. Encapuzado, o homem abordou a vítima em um andar sem câmeras de segurança e a levou para o apartamento, onde eles ficaram cerca de 20 minutos. Depois, fugiu com uma bolsa para simular um latrocínio ; roubo seguido de morte.


Palavra de especialista

A violência doméstica é um abuso físico ou psicológico com a intenção de manter poder ou controle sobre a mulher e acontece em todos os grupos sociais. Os sinais de um relacionamento abusivo são fáceis de se identificar. A vítima nunca pode discordar do homem. Ele controla a vida e as escolhas dela. Diz coisas como ;com essa roupa, você não sai; ou ;você é minha mulher;. Também são alertas quando ele não reage bem às conquistas da companheira, a afasta de amigos e família, a faz se sentir culpada das brigas. A mulher precisa entender que não está tudo bem quando isso ocorre e que ele não vai mudar. Por isso, é importante sair de relacionamentos assim, sempre procurando redes de apoio e denunciando qualquer ato de violência.

Neusa Maria Batista, psicóloga especialista em saúde mental e fundadora do projeto Renascer, para mulheres em vulnerabilidade



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