Cidades

Crônica da Cidade

postado em 28/12/2019 04:07
Por pouco

Quase não houve Natal na família. Se Donana, a vovó que todos adoravam, não tivesse pedido para Marilzinha, sua neta mais prestativa, iniciar um corpo a corpo virtual com todos, os Santos não teriam se reunido para aquele almoço. Donana fora esperta. Sabia que as desavenças eram muito grandes para convencer todos a passarem a noite de 24 juntos. Os jantares dão mais trabalho e mais preguiça. No dia 25, sem nada para fazer e meio ressaqueados de suas festas particulares da véspera, filhas, filhos, noras, genros e netos aceitariam dar uma passadinha na casa da matriarca para a confraternização.

Sempre sob orientação de Donana, Marilzinha iniciou os contatos pelo zap. Primeiro pelos que não tinham tanto envolvimento na cizânia. Convenceu os pais e irmãos e, depois, a tia Carlinha, que também disse sim e confirmou a presença do marido e dos filhos.

O apoio de Julinho, o filho mais velho de Donana, também não exigiu muito esforço. Recém-separado e com os filhos viajando, ele aceitou o convite imediatamente. Pela quantidade de exclamações e emojis em suas mensagens, Marilzinha supôs que o tio estava um tanto carente. A suposição foi confirmada por uma mensagem de áudio em que Julinho confirmava também presença no jantar da véspera na casa da família de Marilzinha. Dizia ainda que dormiria por lá mesmo para todos irem juntos no dia 25 para a casa de Donana.

A neta iniciou, então, uma longa conversa com as duas famílias que já praticamente não se falavam depois de uma briga que acabou se alastrando pelos Santos. Fez promessas para uma em nome da outra e vice-versa e inventou até pedidos de desculpas mútuas. Jurou para um que ouviu do outro que estava arrependido de ter agido daquele jeito e teve certeza de que tinha alcançado seu objetivo quando arrancou um ;devemos ir então; de Antônia e um ;talvez passemos lá, que horas vai ser?; de Betinho.

Marilzinha ligou para a avó radiante. Tudo estava certo, e o Natal, garantido. A jovem neta teve ainda uma ideia: promover um amigolate para selar, de vez, a união da família. Refez o grupo de zap dos Santos e pediu a todos que levassem uma caixa do chocolate preferido. Quando viu que Betinho e Antônia não se animaram tanto com a ideia, Marilzinha decidiu comprar chocolates extras para que todos participassem no dia.

O almoço começou tranquilo, as conversas passavam longe do que motivara as brigas, a comida estava gostosa. Marilzinha anunciou que chegara a hora do amigolate e sussurrou no ouvido dos que não haviam comprado o doce que ela providenciara tudo. Ainda mexeu os pauzinhos para que o tio Betinho tirasse o nome de Dario, o marido de Antônia, para que os dois finalmente se abraçassem.

E assim aconteceu. Betinho anunciou que seu amigo oculto era Dario e lhe entregou a sacolinha indicada pela sobrinha. Dario abriu, agradeceu, os dois tiraram foto juntos. Tudo corria como Donana sonhara. A paz prevalecia. Mas, então, Juninho, o irmão mais novo de Marilzinha, um adolescente conhecido por perder os amigos, a família, a vida, mas não perder a piada, decidiu soltar esta: ;Ué, barra de chocolate com laranja? Mas disseram que a gente não ia discutir política no Natal...; Foi o fim, o caos, a fúria. A família rapidamente se dividiu novamente. E hoje só se une mesmo para falar mal de Juninho, aquele inconsequente.










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