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Crônica da Cidade

Correio Braziliense
Correio Braziliense
postado em 29/12/2019 04:15
Parque musical

No ano de 2000, assisti ao espetáculo O cano, da trupe Udigrudi, formada pela fusão de três experiências: os grupos Liga Tripa, Música-À-Tentativa e do mesmo Udigrudi. A trupe é integrada por Marcio Vieira, Luciano Porto e Marcelo Beré.

A direção que fez a alquimia das três propostas era de uma inglesa baixinha, Leo Sykes, de olhos faiscantes. Ela cresceu nos palcos, pois é filha de um casal de cineastas que trabalhava com o inglês Peter Brook, diretor do Living Theatre.

Considerei O cano uma das produções mais inventivas, surpreendentes e desconcertantes da história da cultura em Brasília. É como se a cena fosse invadida por uma trupe dos irmãos Marx do Terceiro Mundo, numa mixagem frenética de teatro, circo, pantomima, música e humor.

Fiquei tão entusiasmado que eu mesmo comecei a desconfiar que havia exagerado nos elogios da crítica que escrevi sobre o espetáculo e a ouvir vozes: ;É troca de favores entre amigos de uma cidade provinciana;. Senti-me tão provocado pelas vozes que resolvi respondê-las ali mesmo no texto e dobrei a aposta: ;Um espetáculo de qualidade em Brasília precisa ser bom no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Paris, em Nova York e em Marte.;

Em seguida, eu mesmo fiquei assustado com a minha pretensão. No entanto, três semanas depois, para meu alívio, li a manchete no caderno Folha Ilustrada, da Folha de S. Paulo: ;Grupo de Brasília é a sensação no Fringe;. Ou seja: o Udigrudi ganhou o Herald Angel, prêmio principal do Festival de Fringe de Edimburgo, na Escócia, o mais importante evento de teatro do mundo.

A partir daí, a trupe decolou uma carreira internacional, com a trilogia de espetáculos baseados em elementos musicais excêntricos e se apresentou com sucesso em mais de 30 países. Um dos aspectos mais admiráveis eram os instrumentos criados a partir de sucata por Márcio Vieira, nosso bruxo do som. Ele inventou mais de 30.

Pois bem, em 2016, a trupe fez uma exposição no CCBB e incluiu um parque sonoro para as crianças brincarem. Tinha o Escorregaton, as gangorras afinadas ou o violanço. No ato de brincar, a meninada extrai música. É sensacional. A exposição rodou por vários lugares de Brasília e está em cartaz até hoje no Jardim Botânico. Ela só pôde se desenvolver graças ao apoio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).

Essa experiência tão inventiva e encantadora do DiverSom tinha de se expandir para um grande parque sonoro permanente. Seria uma atração turística com a marca de Brasília. Mantenho a aposta: o que tem qualidade em Brasília precisa ser bom no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Paris, em Nova York e em Marte. A cidade não pode se dar ao luxo da desinteligência de perder as suas energias criativas.




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