Correio Braziliense
postado em 03/01/2020 04:06
Jornalista com voo
Na virada final da década de 1970, eu trabalhava em função administrativa numa assessoria de imprensa e, certo dia, levei um susto ao ler um texto no Correio Braziliense, com a assinatura de TT Catalão. Lia textos de grandes jornalistas que escreviam bem, mas transitavam pela prosa.
Talvez tivessem mais informação, ilustração e conhecimento. Porém, TT tinha algo de mais precioso, era animado pela poesia, era um jornalista com voo. Por isso, sensibilizava e encantava. Fui muito impactado pela sua liberdade.
Era sopro de modernismo nas páginas do jornal que eu lia. Parece que ele se apropriava das experimentações de Oswald de Andrade, da Poesia Concreta e da Poesia Marginal, com grande liberdade e audácia. Misturava trocadilhos, dança dos sentidos, dribles de humor, veneno de ironia, barroquismos, imagens da cultura de massa, fragmentos da publicidade, frases de efeito, hai-kais e ensaios. No fim, tudo virava TT Catalão.
Pouco tempo depois, TT fez uma convocação no Correio a pessoas interessadas em poesia para um encontro no Espaço Cultural da 508 Sul. Imaginava que ele se recolhia a alguma torre de marfim para bolar aqueles jogos verbais engenhosos. Mas, para a minha surpresa, TT falava como escrevia. Era um poeta da cabeça aos sapatos.
“Somos uma nação sem gravata, como diz TT Catalão, bravo poeta do Planalto Central”, berrava Glauber Rocha no Programa Abertura, da Rede Tupi, em 1979. Glauber conheceu TT nos tempos em que morou em Brasília e trabalhou na redação do Correio, a convite de Oliveira Bastos (editor-chefe) e de Fernando Lemos (editor-executivo). Ele sabia dizer a palavra essencial para cada momento da história.
Há algum tempo, me encontrei com o TT em um evento cultural e disse a ele que precisava fazer uma coletânea de sua produção e editar. Ainda ofereci uma frase para ser colocada na orelha do suposto livro. TT riu muito, mas dispensou, o livro não o interessava. Ele apreciava mesmo era a fugacidade, a efemeridade e a velocidade do jornal.
Encarnava o espírito de utopia de Brasília, mas com uma mirada crítica (“a terra da promissão virou território da promissória”). É triste a perda de pessoa tão preciosa. No entanto, é preciso considerar que viveu uma vida plena de alegria e realizações. Nunca se preocupou com a perenidade de suas invenções.
Mas, agora, depois de sua morte, é chegado o momento de garimpar a produção dispersa em jornais (“paz quem quer faz”), grafites, faixas do Pacotão (“anestesia geral e irrestrita”), revistas e projetos. Seria um sopro de imaginação e provocação para as novas gerações de jornalistas: “Nenhum berro me barra/nenhum lixo me abaixa/nenhum pano me enfaixa/busco sempre uma fresta/crio sempre uma graxa/uno sempre o que racha/acho sempre uma brecha/nenhuma caixa/me encaixa”.
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