Correio Braziliense
postado em 11/01/2020 04:06
Poucos locais mesclam tão bem os traços finos de esboços modernos com colunas de representações fortes e vívidas de conceitos expressivos como a política e a democracia. Compondo a Praça dos Três Poderes, esses conceitos podem ser vistos nas curvas dos prédios do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). Na terceira matéria da série Brasília Sexagenária, o Correio relembra histórias sobre as sedes dos Poderes Executivo e Judiciário, que, como a capital, completam 60 anos em abril deste ano.
Oscar Niemeyer deixava clara a preferência pelos contornos. Já dizia o arquiteto: “Não é o ângulo reto que me atrai. Nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual”. Para o arquiteto e urbanista da Universidade de Brasília (UnB) Cláudio Queiroz, o principal interesse de Niemeyer era mostrar a cultura da nação brasileira, por meio das curvas das colunas que se tornaram símbolos fundamentais de Brasília.
“Oscar queria dizer que aqui existe um povo novo, com cultura própria e forte. Quem chega em Brasília e olha para elas sente que tem algo de si mesmo naquela paisagem”, ressalta Cláudio. O arquiteto conta que, na época da construção, motoristas de caminhões que vinham para a capital fazer entregas de material de construção faziam questão de levar a imagem das colunas desenhadas no para-choque. “Na volta, eles passavam onde é hoje o Núcleo Bandeirante. Lá, tinha uma pessoa que ficava sentada em um banquinho pintando nos para-choques a forma das colunas. Era uma maneira de o motorista dizer que esteve aqui”, relata.
Servidores históricos
Se as linhas tiveram um grande significado para a história brasileira, elas têm ainda mais importância para o servidor público do Palácio do Planalto José Carneiro, 70 anos. Funcionário da instituição há cinco décadas, José escreve sua trajetória profissional entre as colunas projetadas pelo famoso arquiteto. Com orgulho, apontando para as fotos expostas no interior do edifício, ele mostra os presidentes que passaram por ali durante sua vida no Executivo.
José nunca trabalhou em outro lugar. Sua primeira função foi no transporte, entregando correspondências e documentos nos ministérios. Desde então, passou por 14 funções. “Trabalhar na presidência é trabalhar para construir um país melhor. Eu gosto muito, já tive a oportunidade de ir embora e não fui”, diz. Nordestino, ele se encantou pela capital ainda garoto: “Eu vim do Ceará. Morei no Rio de Janeiro e vim para Brasília. Fui criado em fazenda, então, quando cheguei aqui, fiquei deslumbrado. A cidade é linda, cheia de gramados e de prédios.”
No Palácio, o servidor também passou por momentos difíceis, como na época da ditadura. “Cheguei cedo, e, de repente, o palácio foi tomado pelo exército. Fiquei quase dois dias sem poder sair daqui”, relata. Durante a noite, José dormiu em cima de um banco no quarto andar do prédio. “No outro dia, eu encontrei um tenente que perguntou se eu tinha comido. Ele mandou me dar comida e depois mandou um soldado me soltar na Vila Planalto”, conta. Naquele dia, o servidor público pensou em nunca mais voltar ao Palácio. Foi um dos motivos das únicas três faltas que ele tem no serviço. “Uma foi de um voo que eu perdi e a outra de quando o meu filho nasceu”, comenta.
Do outro lado da Praça dos Três Poderes, o STF também mescla arquitetura e história. E foi dentro do edifício que o goiano Vilmar Amaral, 74, encontrou oportunidade de construir a vida na capital. Ele entrou na instituição após passar em um concurso para a área da segurança. “Cheguei a Brasília com minha esposa, porque queria um bom emprego e tinha uma irmã morando aqui. Consegui trabalhar em um dos órgãos mais respeitados do país. Todo dia chegava ao serviço feliz, me sentindo privilegiado de estar um lugar imponente e moderno”, conta.
De lá para cá, são quase 40 anos como segurança do Supremo, repletos de histórias. “Certa vez, levando o ministro (José) Celso de Mello para casa, de madrugada, ele não quis dormir no carro, como costumava fazer enquanto ouvia música clássica. Ficou conversando comigo. Durante o papo, me perguntou se eu conhecia a doutora Marlene Freitas Rodrigues”, diz. A advogada era querida por Vilmar, que a elogiou muito. “Era uma mulher muito humana e capacitada, então eu só falei bem dela. Pouco depois, o ministro a nomeou como a primeira diretora-geral do STF e disse que levou em conta nossa conversa. Eu nunca ia imaginar o tamanho disso! Fiquei contente, e ela me agradeceu demais. Até hoje temos uma amizade”, detalha.
Modernidade
Esbanjando modernidade arquitetônica, o Palácio do Planalto e o STF presenteiam os brasilienses e turistas que visitam a capital. Cada detalhe pensado por Niemeyer faz dos edifícios lugares inovadores tanto em 1960 quanto agora, em 2020. Marina Siqueira Eluan, arquiteta e urbanista, explica que o conceito utilizado para chegar a esse resultado foi a leveza. “O desenho projetado por Oscar tem uma expressão plástica leve.Isso influenciou o desenho dos pilares, construídos a partir de formas de parábolas. A planta é livre, ou seja, a carga da estrutura é limitada aos pilares. O pano de vidro também incorpora essa arquitetura inovadora, já que a estrutura não se estabelece mais a partir das paredes.”
Os dois prédios têm características em comum, porém com suas particularidades. As colunas e as paredes de vidro dão a impressão de os prédios estarem suspensos. O arquiteto Cláudio explica que as colunas do Palácio do Planalto são mais altas, dando a sensação de mais imponência, enquanto as dos STF são mais acentuadas.
Despedidas
O Palácio do Planalto foi onde familiares e amigos despediram-se de Oscar Niemeyer. O arquiteto foi velado em 2012 dentro do edifício projetado por ele, com cerimônia aberta ao público. O corpo foi levado ao interior do edifício pela rampa presidencial. Além de Niemeyer, dois ex-presidentes foram velados no local: Tancredo Neves, em 1985, e José Alencar, em 2011.
Duas perguntas para
Gabriela Gontijo, arquiteta
O projeto do palácio que abriga o edifício-sede do Supremo Tribunal Federal (STF) era considerado moderno em 1960 e ainda é tido por muitos como inovador, em 2020. Por quê?
O projeto continua extremamente moderno pela leveza da edificação como um todo, que está suspenso. Também temos aquela lage bem fina e os arcos, que têm apenas um ponto de apoio. Toda essa estrutura de engenharia torna o prédio muito leve. Também é uma construção com linhas bem retas, fachada limpa, sem muitos elementos decorativos. São características marcantes de uma arquitetura moderna. Fora que o concreto usado está super em voga. Deixar os elementos mais aparentes, mais brutais, o mantém na arquitetura moderna.
Quais conceitos foram mesclados na obra do STF? Que sentimento isso passa para arquitetos e para a população?
A galeria externa tem um pé-direito muito grande, isso traz mais imponência. E a leveza da estrutura traz o contraponto. Não tem como um arquiteto morar em Brasília e não se encantar por obras assim. Nos sentimos homenageados e muito orgulhosos. Em qualquer construção que olhamos no Eixo Monumental, percebemos obras magníficas. É uma cidade que respira arte, respira arquitetura. Temos não só os desenhos do Niemeyer, como o trabalho artístico do Alfredo Ceschiatti e do Athos Bulcão, por exemplo, que marcam muito Brasília. Fora a questão do planejamento urbano de Lúcio Costa. Até me arrepio quando falo sobre isso. Já viajei muito, mas sempre volto dando mais valor e me sentindo mais privilegiada de morar aqui.
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