Imagine ter as notas de uma partitura musical na ponta dos dedos. O projeto Musicografia em Braille amplia o acesso ao conteúdo didático e promove acessibilidade para quem tem deficiência visual. A iniciativa, criada pela Universidade de Brasília em agosto de 2019, foi pensada especialmente para atender às necessidades de Carolina Lima, 21 anos, estudante do 4º semestre do curso de licenciatura em música. Cega de nascença, Carolina buscou apoio junto a professores da Escola de Música de Brasília para fazer as transcrições do material no primeiro ano de faculdade, em 2018.
Vendo a carência de apostilas voltadas para deficientes visuais, a Coordenação de Apoio às Pessoas com Deficiência do Decanato de Assuntos Comunitários (PPNE/DAC) implementou o projeto de adaptação de materiais acadêmicos para o braille na universidade. Para auxiliar na produção, foi formada uma equipe composta por seis bolsistas, dois voluntários e uma revisora de textos. O grupo adaptou partituras de canto e piano, material e gráficos de matrizes para regência, e textos teóricos das disciplinas que Carolina cursou no semestre passado. A coordenadora do PPNE, Thaís Imperatori, explica que essa iniciativa oferece maior autonomia para a estudante. “Ela pode ter uma liberdade para estudar em casa e acompanhar as aulas com o próprio material. Além de garantir o mesmo acesso de conteúdo independentemente da deficiência” pontua.
Para 2020, a proposta é ampliar o projeto, com a participação de 10 bolsistas. Ana Karoline Versiane, 21, é uma das voluntárias que adaptou o material para Carolina. “Foi uma experiência muito boa poder ajudar e conhecer as técnicas de musicografia em braille. Com certeza quero continuar este ano”, afirma. Ela é aluna de piano erudito na Escola de Música de Brasília e utilizou dos seus conhecimentos musicais para transcrever o conteúdo.
O grupo passou por um workshop de braille musical para realizar o trabalho de apoio. A revisora de textos em braille Carolina Pinheiro conta que o processo foi além da mera transcrição. “A partitura foi o começo. Tivemos que utilizar da nossa criatividade para adaptar o conteúdo de uma forma que atenda a necessidade da aluna. A cada transcrição, a gente imprimia e mostrava para a Carolina. Foi um trabalho em conjunto”, expõe.
Cada integrante ficou responsável por uma parte do conteúdo, tornando o processo mais dinâmico. Nas partes ilustrativas, o material contém imagens em alto-relevo para auxiliar a estudante na hora de entender o que está sendo passado na disciplina. Em outros momentos, o trabalho é descritivo, com o máximo de detalhes possíveis. Tudo é feito para melhor atender às necessidades da aluna. Para o projeto, foram utilizados softwares gratuitos desenvolvidos por universidades brasileiras: Braille Fácil, MusiBraille e Monet. A impressão do material é toda feita na instituição.
Independência
Carolina relata que faz muita diferença ter o material adaptado. “Consigo ter mais independência, sem precisar de uma outra pessoa para me auxiliar com os estudos”, diz a estudante, que sonha em ser professora de coral. Moradora de São Sebastião, ela se interessou pela música aos quatro anos de idade, quando teve seu primeiro contato com o piano. Aos 11, entrou para a Escola de Música de Brasília, onde iniciou os estudos para a sua formação. Em 2018, ingressou na UnB.Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela estudante foi a falta de acessibilidade. “A estrutura arquitetônica não é muito acessível. Antes, eu vinha com a minha mãe para conseguir me auxiliar na mobilidade. Agora consigo vir sozinha”, conta.
Durante o curso, a falta de visão não foi um empecilho, já que ela tem um bom ouvido musical. Mas os conteúdos teóricos exigiam uma demanda maior e ajuda externa. Agora, ela deseja ir além: quer aprender a partitura em tinta para poder dar aulas não apenas para pessoas com deficiências. “A música representa tudo para mim. É o meu sonho poder trabalhar com o que eu amo.”
Além do projeto Musicografia em Braille, a Universidade de Brasília conta com o Laboratório de Apoio às Pessoas com Deficiência Visual. O departamento, coordenado pela professora Sinara Zardo, atua com três pilares: educação especial (inclusão); curso de formação (para professores) e pesquisa. O trabalho visa atender à demanda de alunos com deficiência, conforme a necessidade de cada um. Entre os materiais produzidos pelo departamento estão o caractere ampliado (para alunos de baixa visão), as apostilas em formato digital acessível e os áudios com sintetizador de voz. Na avaliação de Sinara, a deficiência não pode ser algo que impeça o acesso das pessoas ao conhecimento. “Por isso é importante proporcionar a eles um material que permitam as mesmas oportunidades de acesso” ressalta.
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