Cidades

Polícia acredita que falso pai de santo pode ter feito mais vítimas

Segundo as investigações, ele atuava, pelo menos, desde 2016, ano em que uma das vítimas foi abusada pela primeira vez

A Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (Deam) investiga se um religioso de 31 anos, preso na última terça-feira, acusado de abusar sexualmente de quatro mulheres, entre elas uma adolescente de 14 anos, fez mais vítimas no Distrito Federal e Entorno. As denunciantes frequentavam um templo de umbanda, localizado em Águas Lindas (GO), onde o homem se apresentava como pai de santo. Segundo as investigações, ele atuava, pelo menos, desde 2016, ano em que uma das vítimas foi abusada pela primeira vez.

O homem cometia os crimes dentro da própria casa, em Ceilândia. Alegando ser pai de santo, ele atraía as vítimas dizendo que em vidas passadas elas tinham um relacionamento amoroso com o Exu Veludo — entidade da proteção. Caso não tivessem relação sexual com ele, elas poderia sofrer infortúnios e não ter prosperidade nessa vida.

A Polícia Civil soube do caso por meio da mãe da menor. Ela começou a frequentar o terreiro procurando uma orientação espiritual para a filha. No local, conheceu o rapaz e passou a confiar nele, já que ele se dizia líder religioso daquele templo. Um dia, na casa da família, ele chamou a menina para ir até a residência dele, para que o trabalho espiritual fosse realizado com mais eficiência, pois lá haviam imagens de santos que ajudariam o processo.

Dias depois, a mãe da adolescente viu uma jovem grávida no templo e observou que a história contada pela jovem era semelhante à que a filha ouviu do então pai de santo e começou a desconfiar das atitudes do rapaz. Ao perguntar para a filha como eram as reuniões na casa dele, a menina contou das relações sexuais. Em seguida, ela resolveu denunciá-lo. O burburinho, segunda a delegada-chefe da Deam, Sandra Melo, começou a se espalhar pelo terreiro e outras vítimas começaram a aparecer e prestar depoimento na delegacia. 

Em outro caso, ele abusou de uma moça com 16 anos, à época. Hoje, maior de idade, ela resolveu denunciar. As ocorrências começaram a ser registradas no fim do ano passado, no entanto, os abusos teriam iniciado em 2016. Algumas mulheres eram vítimas desde aquele ano. "Os casos aconteceram em períodos diferenciados, mas ele agia da mesma forma com todas elas e isso chamou a atenção", conta da delegada.

Uma das vítimas relatou ter ficado grávida após ser abusada pelo líder religioso. Ele teria a induzido ao aborto por meio de remédios. Ao registrar o abuso, ela passou por exame de corpo delito e foi comprovado que ela esteve grávida em algum momento, mas o laudo não precisou o período exato. A polícia continua investigando se o suspeito engravidou a vítima. 

O homem foi preso preventivamente na casa dele, na manhã de terça-feira. Caso seja condenado, pode responder por violação sexual mediante fraude. A Polícia Civil apura se nesse caso ele será indiciado por aborto provocado por terceiros. Juntando os dois crimes, ele pode cumprir pena de 20 anos. 

A delegada Sandra Melo acredita que possam existir mais vítimas. “Não descartamos essa possibilidade. A preocupação da Deam é proteger a mulher de todo crime, seja sexual, cibernético. Nossa primeira atitude foi tirar o suspeito de circulação. E queremos deixar claro que, caso outras mulheres tenham sido vítimas, que entrem em contato com a Deam. Nosso trabalho é sempre evitar que novas vítimas sejam alcançadas pelos delitos”, ressalta.

Medo

A reportagem esteve no templo umbandista, em Águas Lindas, mas não encontrou ninguém no local. Vizinhos contaram que a circulação maior de pessoas ocorria durante a noite, mas que há dois dias ninguém havia aparecido lá. “Pelo o que a gente percebe, vem muita gente de fora, param muitos carros ali na frente. São poucas as pessoas daqui da região que frequentam”, conta um morador do Setor 9, Quadra 92, que não quis se identificar. Segundo ele, muitas pessoas ali têm medo de expôr tudo que acontece e sofrer represálias.

Outra vizinha, também anonimamente, confirma que o homem preso se dizia pai de santo do terreiro. Apesar de aparecer pouco na vizinhança, ele era conhecido. “A gente não gosta de falar muito sobre o caso. Mas pegou todo mundo de surpresa. Pelo o que a gente sabe, é uma pessoa que pregava o bem, mas fez mal a essas mulheres. Só Deus pra aliviar a dor de um abuso”, declara a mulher. 

Religião

Coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa da Subsecretaria de Direitos Humanos e Igualdade Racial, Adna Santos, a Mãe Baiana, informou que o homem não é um líder religioso nem pai de santo. Em realidade, trata-se de um Iaô, termo usado para pessoas iniciadas no candomblé. “Ele se aproveitou do respeito que as pessoas têm pelos pais e mães de santo em Brasília para fazer o que fez.”
 
“Nossa comunidade está sempre de braços abertos. Todo mundo que chega é tratado com carinho. As pessoas se machucam lá fora e vêm para o terreiro cuidar das feridas. Assim como em todas as outras religiões, infelizmente, existem pessoas que chegam com má fé”, explica.
 
Membros da comunidade afro-religiosa do grupo Defensores do Axé no Distrito Federal assinaram juntos uma nota de esclarecimento, em que pedem a investigação do caso e esclarecem que a comunidade “não coaduna com o errado e com atividades que afrontam os direitos individuais de cada indivíduo”.

“Nossas entidades não utilizam de práticas abusivas a quem os procuram em busca de conforto  espiritual. Apoiamos e pedimos que a investigação no caso de abuso sexual de mulheres, inclusive de uma adolescente por parte de uma pessoa que se diz “pai de santo” seja apurada e caso se confirme sua culpabilidade que o mesmo seja punido na forma da lei”, completa o texto.

MEMÓRIA

Dezembro 2018

O líder religioso João de Deus está preso acusado pelos crimes de assédio sexual e estupro por mais de 300 mulheres do Brasil e do mundo. Em dezembro de 2019, o médium foi condenado a 19 anos e quatro meses de prisão em regime fechado. Ele nega ter cometido os crimes.

Abril 2019

Um pastor de 49 anos foi preso acusado de estuprar fiéis em uma igreja, em Ceilândia. Segundo investigações da 24ª Delegacia de Polícia (Setor O), ele se aproveitava dos momentos de oração para molestar as vítimas sexualmente.

Junho 2019

Um homem de 36 anos se passava por pastor e atraía adolescentes para a casa dele, no Paranoá. Pelo menos, cinco casos de abuso sexual contra menores foram confirmados. O homem foi preso.

Junho de 2016

Um padre abusou sexualmente de um adolescente de 15 ano em um clube de Caldas Novas, município a 307 km do DF. O jovem sofria de retardo mental moderado e foi atacado na sauna do parque.