Cidades

Vítimas da covardia

Além da hipótese de feminicídio, um dos assassinatos investigados em Samambaia, o de Edna Maria de Sousa, aponta para queima de arquivo. Ontem, familiares e amigos se despediram de Gabrielly da Silva Miranda, 18 anos

Correio Braziliense
postado em 16/01/2020 04:06
Gabrielly da 
Silva Miranda

» Tinha 18 anos
» Recém-formada no ensino médio
» Casada com o suspeito e não tinha filhos
» Morta com um tiro na cabeça
» Crime ocorreu na Quadra 425 de Samambaia Norte








A 32ª Delegacia de Polícia (Samambaia Sul) trabalha com duas hipóteses para o assassinato da catadora de material reciclável Edna Maria de Sousa, 41 anos. A primeira linha de investigação aponta para uma possível queima de arquivo e, a segunda, feminicídio. Se confirmada a última suspeita, o caso se somará a outras duas mortes por questões de gênero que ocorreram em Samambaia, em menos de 15 horas. Os três casos foram registrados na terça-feira. Ontem, uma das vítimas, Gabrielly da Silva Miranda, 18, foi sepultada em Taguatinga (leia reportagem ao lado).

Edna Maria foi morta a facadas, por volta das 17h, no Conjunto 2 da Quadra 307, em Samambaia Sul. Uma hora depois, dois suspeitos do crime foram detidos em flagrante, um homem de 31 anos e uma adolescente, de 16. De acordo com as primeiras informações levantadas pela 32ª DP, a dupla teria invadido a casa da catadora, surpreendendo ela e o ex-namorado. Os acusados, então, esfaquearam a vítima no pescoço, no maxilar e no abdômen. Em seguida, fugiram, como explicou o delegado Daniel Monteiro, cartorário da 32ª DP. “Quando a nossa equipe chegou ao local, o ex-companheiro aguardava, meio choroso. Ele nos informou que a dupla teria invadido a residência e atacado a vítima”, detalhou.

Ainda de acordo com o investigador, os suspeitos eram conhecidos da catadora. “Eles tinham uma certa amizade e costumavam beber juntos. Todos trabalham com reciclagem e como vigia de carros. Então, eram pessoas conhecidas, que tinham um convívio”, acrescentou Daniel.

Com a versão dada pelo ex-companheiro de Edna Maria, os agentes identificaram a possível motivação do crime, que seria um assassinato cometido pela dupla de acusados no ano passado. “Por ser um núcleo de conhecidos, provavelmente, a história chegou ao ouvido deles. Por isso, acreditamos que a intenção deles era assegurar a impunidade desse homicídio. E, sem dúvidas, essa dupla é suspeita desse crime ocorrido em novembro. Assim, tudo indica que a versão do ex-namorado da vítima guarda coerência”, explicou o investigador.

Versão

Apesar da hipótese de queima de arquivo e do depoimento do ex-namorado de Edna, os investigadores da 32ª DP não descartam a possibilidade de feminicídio. A filha da vítima, Keiciane Timóteo, 20, relatou que a catadora tinha terminado o namoro com o ex havia quatro meses e, há três, estaria se relacionando com outra pessoa. Segundo Keiciane, a mãe pretendia casar com o novo companheiro. “Ela dizia que estava grávida desse novo relacionamento. Ele (o ex) até mandou a mesma menina que a matou tacar uma pedra na barriga dela”, disse. Segundo a jovem, o fato teria ocorrido na última segunda-feira, antes do crime, o que provocou hematomas na área atingida pela pedra, próximo à cintura da vítima. “Ele a ameaçava”, complementou.

Questionado sobre essa hipótese, o delegado Fernando Rodrigues, adjunto da 32ª DP, explicou que “até o momento, a única linha divergente da queima de arquivo é essa. Nós não descartamos nenhuma versão, inclusive a de feminicídio. No entanto, ainda não há nada concreto. Mas estamos, sim, investigando esta versão”. A polícia ainda não confirmou se a vítima estava grávida.

Caso Rute

A terceira vítima de Samambaia, a dona de casa Rute Paulina, 42 anos, foi atacada pelo companheiro, 40. O homem usou uma faca para atingir a vítima no abdômen e no pescoço. A mulher conseguiu correr da casa para a rua, gritando por socorro. Vizinhos tentaram ajudá-la e acionaram o Corpo de Bombeiros, mas ela não resistiu. O marido fugiu, mas se entregou à polícia na madrugada de ontem. O caso ocorreu na Quadra 321 de Samambaia Sul, também na terça-feira.

Segundo um vizinho da vítima, Rute estava acompanhada do companheiro dela e dos filhos do casal, de 2 e 7 anos. “A minha mulher estava cozinhando o jantar quando ouviu os gritos de socorro. Na hora, percebemos que tinha algo errado e saímos. Encontramos a Rute caída ao chão, sangrando muito. Ficamos tão apavorados com a cena que sequer vimos a fuga do marido”, relatou.

Inicialmente, o caso foi registrado na 32ª DP, como feminicídio. Por volta das 1h de ontem, o acusado compareceu à 15ª DP (Ceilândia Centro) e confessou o assassinato. Ele foi preso em flagrante. A Polícia Civil não informou se os filhos do casal serão deixados com familiares ou se seguirão para um abrigo.


Três perguntas para
Dulcielly Nóbrega, 
defensora pública e 
coordenadora do Núcleo 
de Defesa da Mulher

A taxa de homicídios no DF é 
a menor em 25 anos, contudo, os feminicídios cresceram quase 18% em relação a 2018. O que influencia a diferença?
Precisamos entender a questão da cultura machista, que está intrínseca na nossa sociedade, na qual o homem vê a mulher como objeto de posse. Quando a mulher tenta sair de um relacionamento, muitas vezes, isso não é aceito. Existe o sentimento de controle, o qual leva o homem a cometer feminicídio. É um crime de difícil prevenção por parte da segurança pública. Mas há possibilidade de controle, com tornozeleiras eletrônicas, dispositivos de segurança e monitoramento das medidas preventivas. Ainda, é preciso bom atendimento dos equipamentos públicos às mulheres, para que elas não se sintam desencorajadas. As políticas públicas tanto de responsabilização quanto de prevenção precisam andar juntas.

Notamos que nem todas 
as vítimas denunciam 
as agressões. Por quê?
Existem vários motivos que levam as mulheres a não fazer a denúncia. O principal é o medo que o agressor concretize as ameaças feitas. Isso ocorre porque ele fala para a vítima que, caso ela procure a polícia, a matará. Ele amedronta, afirmando que, se for preso, uma hora sairá e cometerá o assassinato. É muito difícil encarar um processo de violência doméstica, pois há fatores como dependência financeira e emocional. Isso faz com que a vítima leve até anos para fazer a primeira denúncia.

O que deve ser feito se algum conhecido, amigo ou familiar de uma vítima notar que ela está em situação de risco?
Ele pode ligar no 180 (Central de Atendimento à Mulher) e relatar todos os fatos que ocorrem na vida dessa mulher. Essa denúncia pode ser realizada anonimamente. Por meio dessa central de atendimento, todas as informações serão repassadas para os órgãos da segurança pública para que a situação seja averiguada.

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