Cidades

Vítima de maus-tratos morre no HRT

A polícia espera resultado de laudo pericial para apontar a causa da morte de idosa de 69 anos. Caso a violência doméstica seja o motivo, a filha da vítima, responsável legal pela mãe, pode ser condenada a até 18 anos de prisão

Correio Braziliense
postado em 17/01/2020 04:16
Equipes médicas e investigadores constataram que as condições da casa da vítima eram insalubres


O laudo que apontará a causa da morte da idosa de 69 anos que sofria maus-tratos em Taguatinga Sul deve sair em até 30 dias. Além da suspeita de violência, a Polícia Civil trabalha com a hipótese de morte natural, já que Leila Maria Marçal vivia em estado vegetativo havia 10 anos. Após o resultado do exame, feito ontem pelo Instituto de Medicina Legal (IML), as investigações serão retomadas. Na última terça-feira, a responsável legal pela aposentada, a filha dela, Flávia Cristina Marçal, 38, foi presa e prestou depoimento na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), mas foi liberada após pagamento de fiança.

À polícia, Flávia disse que não conseguia cuidar da mãe seguindo as orientações médicas, porque exigia muito esforço físico. Ela precisava virar o corpo de Leila na cama de duas em duas horas. À noite, segundo ela, era mais difícil, porque não tinha forças para erguê-la. As duas moravam sozinhas em uma casa, na QSC 18, de Taguatinga Sul, e recebiam a visita apenas de um irmão da vítima, que as ajudava quando podia. Flávia recebia e usava a aposentadoria da idosa, de R$ 3,9 mil, para comprar roupas, utensílios domésticos e guardar na poupança. Para ela, contratar um cuidador de idosos não era viável, “porque eles maltratam os mais velhos”, como disse aos policiais.

Flávia alegou ainda que a mãe sofreu um acidente de carro há 20 anos. À época, ela tinha 18 anos e teria trancado o curso de direito para se dedicar à idosa. Num período de 10 anos, Leila teve depressão e sofreu vários AVCs, resultando no estado vegetativo. “No depoimento, a filha demonstrou muita frieza. Dizia que tudo aquilo que estava acontecendo com a mãe foi desleixo dela. Dizia que não tinha muitos gastos com a mãe, porque tudo era fornecido pela rede pública. E que o dinheiro guardado era para garantir um funeral digno”, conta de delegada-chefe da Decrin, Ângela Maria dos Santos.

Semanalmente, Leila recebia atendimento do Núcleo de Atendimento Domiciliar do Hospital Regional de Taguatinga (HRT). Na terça-feira, o médico-chefe da equipe percebeu que a casa estava em condições insalubres, e a paciente, desnutrida e com as costas bastante machucadas. Imediatamente, ele acionou a Polícia Civil. Assim que a equipe da Decrin chegou ao endereço, encontrou a mulher na cama. Ela usava apenas uma fralda suja de fezes e urina e estava coberta com um lençol velho. Ela foi encaminhada para o HRT, onde passou por uma cirurgia, mas morreu na manhã de ontem.

Crimes

De acordo com a delegada Ângela Maria, a equipe médica nunca havia encontrado a residência de Leila bagunçada, nem constatado sinais de maus-tratos — a última visita havia ocorrido na semana passada. “É um tipo de situação que pode se agravar de um dia para o outro. A filha cuida da mãe há 20 anos sozinha e pode ter havido desleixo mesmo. Mas a situação ficou deplorável. Pelo que vimos, a menina não tem sinais de depressão, pelo menos não aparentou. Temos de esperar o laudo sair para falarmos mais sobre o caso”, informou a investigadora.

Na delegacia, a suspeita foi autuada pelos crimes de omissão de socorro, exposição ao perigo e apropriação de bens, mas foi liberada em seguida, após pagar fiança de R$ 2,5 mil. “As penas são curtas. Cada uma entre 6 meses e 1 ano. Todas sujeitas à fiança. Caso seja comprovado que a causa da morte tenha sido os maus-tratos, a pena pode chegar a 18 anos e se tornar inafiançável”, detalhou Ângela Maria.


"É um tipo de situação que pode se agravar de um dia para o outro. A filha cuida da
mãe há 20 anos sozinha e pode ter havido desleixo mesmo. Mas a situação ficou deplorável”

Ângela Maria dos Santos,
delegada
 
 

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