Correio Braziliense
postado em 20/01/2020 04:15
O plural é forteSobram documentos que afirmam a ausência de orgulho de raça em portugueses e espanhóis nos séculos que antecederam as grandes navegações e depois. Beneficiados pela localização geográfica da Península Ibérica, na ponta do continente europeu, esses povos nascidos do Império Romano sempre gozaram, em suas terras, do trâmite de africanos, mouros, judeus, ciganos, nórdicos e outros. Essa predisposição em lidar e, muitas vezes, se casar com gente de outras etnias e nacionalidades, foi o que facilitou a adaptação e a permanência dos ibéricos nas Américas, incluindo o Brasil. De que outra forma tão pouca gente poderia ocupar um território continental?
Longe de afirmar que o processo não tenha sido cruel, principalmente com ameríndios e africanos de várias tribos e nações arrancados de seus lares, degradados, escravizados, surrados, estuprados… Longe de dizer que a miscigenação no país ocorreu sempre à base de consenso dengoso. Não se trata de um período glorioso. Mas, fato é que os pouco mais de 500 anos de história (nossa história) que constrói o brasileiro é composto, justamente, da mistura de povos e culturas. Os três grupos principais, claro, incluem as nações ameríndias, africanas e portuguesa. Com menos participação, holandeses e franceses. E, após o fim da escravidão, italianos, alemães e japoneses.
Dito isso, nada mais tolo que afirmar-se sobre uma ideologia necropolítica que se baseia em uma ideia de raça pura como argumento civilizatório. É o completo desrespeito com a própria história e com a formação do país. Além, é claro, de um disparate científico. A baixa variação genética é responsável por doenças, malformações e outros males em seres humanos. Para completar, a própria base intelectual que constitui o nazifascismo é uma colcha de retalho de mitos de diferentes povos, incluindo os indianos, que dificilmente, provocariam alguma reverência no ditador fascista alemão Adolf Hitler.
E, apesar de todas as evidências históricas, e também biológicas, o Brasil já gozou da própria versão do movimento político iniciado na Itália pela trupe de vilões de Benito Mussolini. Esse é um dos maiores perigos do fascismo, ou, em sua versão alemã, o nazismo. Trata-se de um pensamento político parasitário e prejudicial, ultranacionalista que, em momentos de crise política e econômica, se aproveita do ressentimento político de grupos que se dizem especiais, para florescer. Os partidários desse modo de pensar mentem sobre o passado em nome de projetos pessoais de poder.
Por aqui, a ideologia fascista teve seu berço na Ação Integralista Brasileira (AIB), partido político que chegou a contar, pelo menos por algum tempo, com a conivência de Getúlio Vargas. Acabaram extintos após o golpe do Estado Novo. A AIB tinha, como lema, a frase “Deus, pátria, família”, a mesma utilizada pela Aliança pelo Brasil, agremiação criada pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. E os seguidores de Plínio Salgado na AIB ainda colaboraram com a criação de campos de concentração no país.
Em dezembro, a imprensa noticiou a aparição de um grupo integralista em São Paulo. No mesmo mês, um grupo afeito à mesma ideologia assumiu o atentado terrorista contra a produtora de vídeos Porta dos Fundos, por discordar de um especial de Natal da empresa. No episódio mais recente, o então secretário de Cultura do governo Bolsonaro interpretou o ministro da propaganda da Alemanha Nazista Joseph Goebbels em um vídeo institucional. Difundiu ideias nazifascistas no exercício da função. É preciso conhecer a nossa história para impedir que grupos de ódio se beneficiem da polarização e assumam o país. Que portas o antiesquerdismo está disposto a abrir em detrimento do debate honesto e plural? Quais serão as consequências?
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.