Correio Braziliense
postado em 22/01/2020 04:17
Perguntaram-me como é que Rubem Braga, sempre famoso, lascado e mal pago, conseguiu comprar uma cobertura em um edifício de Ipanema. Caramba, comentei, vou responder em forma de crônica. Começo informando que o tema tem uma vaga e distante conexão com Brasília. Na verdade, Braga só conseguiu adquirir a célebre cobertura graças à generosidade do engenheiro Juca Chaves (nada a ver com o cantor de sátiras).
Juca Chaves era pernambucano e descendente do Barão de Gravatá. Tinha dinheiro e realizou o sonho de abrir um bar só para beber com os amigos, o Juca’s Bar, instalado no centro do Rio de Janeiro, no térreo do Hotel Ambassador, na Rua Senador Dantas. Lá, Rubem Braga bebia e conversava com Di Cavalcanti e Vinicius de Moraes.
No mesmo bar, Juca e outros amigos articularam a construção de uma casa provisória para o então presidente Juscelino Kubitschek na Brasília em ritmo de canteiro de obras: o Catetinho. Braga era contra a mudança da capital do Rio para o Planalto Central e sugeria: “Bastava tirar daqui do Rio umas pessoas que enchem demais a cidade, para a coisa melhorar. Eu me ofereço para fazer a lista”.
Na biografia Rubem Braga — Um cigano fazendeiro do ar, Marco Antonio de Carvalho enfatiza que Juca era gentil, péssimo cobrador e “excelente avalista de papagaios”. O engenheiro foi contratado no início dos anos 1950 para construir o edifício Barão de Gravatá, na Rua Barão da Torre, em Ipanema. Projetado pelo arquiteto Sérgio Fernandes, o edifício tinha 49 apartamentos. Juca planejou morar na cobertura com a esposa.
Ocorre que ele se separou e ofereceu a Rubem Braga, com preço simbólico, preço de amigo. Braga topou e logo encomendou a Burle Marx um jardim suspenso: “Tudo que ele receitou pegou bem, e aguenta o sol e os ventos do sudoeste e a lestada cheia de sal do mar”, disse Rubem. No entanto, rapidamente, trocou as plantas decorativas por árvores frutíferas: pitangueiras, amoreiras, jaqueiras, goiabeiras.
Com elas, vieram os pássaros: beija-flores, sabiás, bentevis, canarinhos: “Pago o condomínio, e Deus não deixa o edifício cair”. Na cobertura, recebia a visita dos amigos Vinicius, Manuel Bandeira, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Joel Silveira e João Cabral de Melo Neto. E curtia o silêncio, a paisagem marinha e um certo clima interiorano de Cachoeiro do Itapemirim suspenso no ar.
Mas, atenção, Marco Antonio de Carvalho lembra que, naquela época, ninguém morava nas coberturas. O espaço abrigava a casa do porteiro dos edifícios. Braga fechou o acesso aos condôminos e, quando o síndico perguntou como os vizinhos que quisessem visitar seriam recebidos, ele respondeu seco, com o célebre mau humor bem-humorado: “À bala”.
Crônica publicada originalmente
em 4 de dezembro de 2018
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