Correio Braziliense
postado em 23/01/2020 04:35
A permanência de líderes de facções criminosas no Distrito Federal segue como preocupação do Executivo local. Na avaliação do GDF, há possibilidade de incidente que coloque em risco a população e os monumentos da capital federal. O secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, declarou descontentamento com a questão em ofício enviado, ontem, ao ministro da Justiça, Sergio Moro. No texto, ele questiona a falta de informações sobre acontecimentos envolvendo os criminosos no Distrito Federal e pede informações e esclarecimentos urgentes. A manifestação teve apoio do governador Ibaneis Rocha (MDB).
O estopim para a reclamação do governo local foi a ida de Marcos Willians Camacho, Marcola, ao Hospital de Base, para a realização de exames. O deslocamento do líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) contou com forte esquema de segurança comandado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e com o reforço de homens da Força Nacional e do Exército Brasileiro. A direção da Segurança Pública no DF, entretanto, não foi informada sobre a operação, o que gerou mal-estar entre as lideranças locais.
No ofício a Moro, Anderson Torres reclama do “silêncio” do governo federal e pede informações para que o GDF tenha noção do exato grau de ameaça a que a população do DF está exposta com a permanência de líderes de facções criminosas na capital federal. “Não se justifica esse silêncio dos órgãos federais que, em última análise, pode ensejar um incidente extremamente grave caso haja uma situação de emergência em que as polícias locais precisem agir”, ressaltou.
Torres acrescentou, no texto, que, a partir de informações divulgadas recentemente pela imprensa, depreende-se que há possibilidade de desdobramentos negativos pela ação dos criminosos. “Estamos próximos a um incidente que extrapola os muros da unidade prisional federal e tem a capacidade de expor a sério risco à vida, à tranquilidade e ao patrimônio dos cidadãos que aqui residem”, frisou.
Desde a transferência de Marcola e outros presos, em março do ano passado, para a Penitenciária Federal em Brasília, Anderson Torres e Ibaneis Rocha criticaram a decisão, a qual consideram um erro estratégico. O governador subiu o tom e afirmou que Moro não entendia nada de segurança pública.
Ontem, Torres encabeçou uma visita de secretários de Segurança Pública do país ao presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. Eles sugeriram a ele que a área volte a ter um ministério próprio. Atualmente, o setor está fundido com a Justiça, sob o comando de Moro.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, não se posicionou diretamente sobre as reclamações do GDF. Em nota à imprensa, no entanto, a pasta informou que “os criminosos ficam recolhidos dentro dos presídios, não fora. Não há qualquer informação de que a transferência e a manutenção de lideranças de organização criminosa para o presídio federal de Brasília ofereçam riscos à população civil, aos prédios públicos ou às embaixadas”.
O Ministério acrescentou que não há reclamações de outras unidades da Federação em que lideranças criminosas são mantidas. “De outro lado, são normais providências para reforço da segurança dos presídios, não havendo motivos para que elas gerem qualquer espécie de alarme desnecessário. Quanto às escoltas de presos para fora dos presídios, são elas mantidas em sigilo por questão de segurança, sendo esta uma praxe em todos os presídios federais”, diz o texto.
Tentativa de fuga
Fatos recentes sustentam a preocupação do governo local com os criminosos de organizações mantidos no DF. No fim de 2019, informes de inteligência revelaram a existência de um plano para tentar libertar Marcola da penitenciária. Além disso, operação da Polícia Civil do DF, no começo do mês, identificou outros integrantes da facção atuando na capital federal e no Entorno. Os bandidos ameaçaram e monitoraram autoridades do DF. O secretário de Segurança Pública do DF, Anderson Torres, estaria entre os alvos da facção.
Além do chefe da pasta, delegados tiveram informações pessoais difundidas entre criminosos, e uma juíza da Vara de Execuções Penais (VEP) sofreu ameaças em um bilhete encontrado na Penitenciária Federal em Brasília. À época da operação, a PCDF acreditava que existissem 30 integrantes da célula do PCC no DF. O surgimento de um braço da organização criminosa em Brasília é monitorado pelas forças de segurança desde as primeiras transferências de presos.
Risco natural
O pesquisador em segurança pública Nelson Gonçalves, graduado em ciências policiais pelo Instituto Superior da Academia de Ciências Policiais do Chile, afirma que a presença de líderes criminosos oferece risco natural em qualquer localidade em que sejam mantidos. “Todos os presídios federais representam alguma possibilidade de perigo para o local onde estão instalados. Não há dúvida disso. É comum que haja uma migração de famílias e das relações desses indivíduos para onde eles sejam levados”, observa.
Ele ressalta, porém, que o sistema penitenciário do DF é um dos mais sólidos do país. “Não há registros de grandes problemas aqui, porque tem havido cuidado com essas questões ao longo do tempo. Então, as autoridades têm sido historicamente capazes de manter o controle sobre isso”, afirmou. Ele destaca que o posicionamento do GDF é esperado. “É normal que os representantes dos locais em que esses presos estão reclamem. O secretário e o governador estão cumprindo seus papéis.”
Memória
Memória
Marcola na Papuda
Em 2001, Marcos Willians Camacho, o Marcola, foi transferido, pela primeira vez, para o sistema penitenciário do Distrito Federal. À época, o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) ficou encarcerado na Papuda. Ele deixou Brasília em fevereiro de 2002. Durante a permanência de Marcola no DF, ocorreu a segunda maior rebelião da história da Papuda, com duração de 28 horas. Dois presos foram mortos. Marcola não participou diretamente do episódio, mas alguns dos envolvidos tinham ligação com uma facção surgida a partir do PCC, a Paz, Liberdade e Direito (PLD).
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