Cidades

Crônica da Cidade

Noite de caos

Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:07
Lembro de muitas vezes estar na arquibancada do Teatro Galpão e flagrar alguém entrando sorrateiramente na sala e sentar-se no chão para ver o espetáculo. Era o embaixador Vladimir Murtinho, ele amava o teatro como poucos, assistia a todas ou a quase todas as montagens dos grupos brasilienses. Considerava que uma capital não poderia ser passiva; tinha de irradiar cultura.

Aquele pedaço já foi chamado de Broadway candanga nas décadas de 1980 e 1990. Lá, estava instalado um respeitável conjunto de casas de espetáculo: o Espaço Cultural Renato Russo (que era Centro de Criatividade da 508 Sul), com o Teatro Galpão, o Teatro Galpãozinho, a Sala Multiúso, a Sala Marcantonio Guimarães e, ao lado, o Teatro Escola Parque. Os atores não se formam nas salas suntuosas; eles se forjam é nos teatrinhos precários.

Nos anos 1980, assisti a Renato Russo, magricela e de óculos, pular de uma abertura na parte alta do teatro rumo a um palco suspenso, segurado em uma corda, como se fosse um Tarzan do Terceiro Mundo, na peça O último rango, de Jota Pingo, em 1982. Empunhava uma guitarra, metralhava sons distorcidos e berrava os versos de Geração Coca-Cola.
E, ao fim do espetáculo, o público e os mendigos dos arredores eram convidados a compartilhar de um sopão, preparado pelos atores, em uns tachos enormes, enquanto a peça era encenada. A peça misturava antropofagia, com o desejo de comunhão social. O ator Luciano Porto me ajudou a lembrar como tudo aconteceu.

Naquele tempo, quando gostavam de um show, os punks disparavam os extintores de incêndio com CO2, gás carbônico, que formava uma nuvem de fumaça no ar. O Aborto Elétrico fez uma breve aparição. No intuito de manifestar admiração, o poeta João Roberto Costa Júnior, que, mais tarde, seria chamado de Joãzinho da Vila, deflagrou o extintor de incêndio.

Só que não era de CO2; era de um pó branco, que se espalhou pelo espaço do Teatro Galpão. Instalou-se o caos, a peça foi interrompida, o Corpo de Bombeiros entrou em ação e ordenou a evacuação emergencial da sala.

Todos nós tivemos de sair correndo do Galpão. Quando voltamos, o teatro estava tomado por uma nuvem de pó branco. Parecia que tudo estava coberto pela neve. O sopão se perdeu inteiramente. Jota Pingo ficou indignado e arrasado. Mas, no fim das contas, no meio do caos, a noite foi divertida.

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