Cidades

Motoristas de app vulneráveis

Desde o fim do ano passado, aumentaram os casos de condutores vítimas de latrocínios e sequestros relâmpagos no Distrito Federal. No caso do roubo com restrição de liberdade, a categoria sofre, em média, um assalto a cada 82 horas

Correio Braziliense
postado em 25/01/2020 04:07
Gabriel Batista pediu ajuda a um colega de profissão quando desconfiou que seria assaltado: medo





Os motoristas do sistema de transporte por aplicativo estão na mira dos bandidos no Distrito Federal. Além de latrocínios (roubo com morte) — houve quatro desde outubro do ano passado, sendo dois em janeiro de 2020 —, a categoria está exposta a sequestros relâmpagos. Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que, em média, a cada 82 horas, um desses profissionais é vítima de assalto com restrição de liberdade na capital. Na comparação dos dois últimos anos, esse crime aumentou 181%, de 38 casos para 107 entre 2018 e 2019.

A vulnerabilidade assusta os condutores de aplicativos. Gabriel Batista, 22 anos, dirige no sistema há um ano. O morador de Planaltina avalia que, desde o fim do ano passado, a sensação de insegurança no trabalho aumentou. Ele passou por uma situação de medo em dezembro após receber a chamada de um passageiro que faria o trajeto entre a 102 Sul e Samambaia. “Entraram dois homens no carro. Eles estavam conversando normalmente e, em seguida, colocaram bonés, cobrindo o rosto e estranhei. Como faço parte de um grupo de motoristas no WhatsApp, temos alguns códigos entre nós, que sinalizamos quando estamos em um momento de perigo. Eu digitei o número que significa sinal de alerta. Não demorou muito, e um amigo me mandou uma mensagem dizendo: ‘Oi, Gabriel, está indo para onde? Estou aqui atrás de você’. Depois disso, os dois pediram para descer do carro, muito antes do local de destino”, relatou.

Após o episódio, o jovem ficou mais atento. “Sempre deixo as travas do carro fechadas e só atendo corridas no Plano Piloto, nas asas Sul ou Norte. Infelizmente, como janeiro é um mês fraco para nós, estou aceitando dinheiro como forma de pagamento, mas costumo trabalhar apenas com cartão, para evitar qualquer incidente”, ressaltou. O também professor de educação física se deparou com a falta de oportunidades de emprego e partiu para o negócio autônomo. “Entreguei vários currículos desde quando me formei, mas está tudo muito difícil. Então, decidi recorrer ao transporte alternativo para garantir a renda”, justificou.

Marlon Ribeiro, 35, também levou um susto no fim do ano passado. Enquanto dirigia, dois jovens o renderam no P Sul, em Ceilândia. Ele recebeu o chamado de uma corrida para a QNN 20, em Ceilândia. “Os dois entraram de uma vez no carro e não teve como eu acelerar. Ameaçaram-me com uma arma e falaram que fariam um ‘corre’. Eles me obrigaram a ir a algumas casas para buscar droga. Um ficava no carro me vigiando, e o outro descia. Na hora, eu achei que morreria. Passou toda a minha vida pela cabeça”, contou.

Marlon relatou outra situação no fim de 2019. “Estava tendo uma festa na Praça do Relógio, e uma mulher solicitou a corrida para Taguatinga mesmo. Quando cheguei lá, entraram três homens no veículo. Eles estavam vendendo droga e falaram que precisavam fazer uma entrega. A polícia seguiu o meu carro, mas não chegou a abordar”, detalhou. Segundo ele, as empresas de aplicativo devem tomar providências urgentemente. “O cadastro dos passageiros deveria ser exigente, com foto, por exemplo. Antes de atender, eu sempre presto a atenção na fisionomia, que, querendo ou não, é importante, e não busco pessoas no meio da rua, porque um bandido nunca vai te chamar na porta de casa.”.

Facadas

O corpo do motorista de transporte por aplicativo Maurício Cuquejo Sodré, 29 anos, será velado a partir das 8h de hoje, na Capela 4 do cemitério do Gama. O sepultamento está marcado para as 15h30. O jovem, a quarta vítima de latrocínio do sistema por aplicativo no DF, morreu na madrugada de quinta-feira, no Núcleo Rural Boa Esperança 2, na Granja do Torto. Três homens e um adolescente foram detidos pelo crime.

Segundo investigação da 2ª DP (Asa Norte), os acusados renderam a vítima depois de ela atender a um chamado por aplicativo, por volta da 1h. O condutor estava na Asa Norte, onde teria pegado um lanche a pedido do quarteto e seguiu para a Granja do Torto. Ao chegar, três suspeitos, incluindo o adolescente, entraram no veículo armados com facas. A vítima levou facadas na parte de trás da cabeça, no pescoço, na face, na mão e no braço. Depois, foi deixado em um buraco da área rural, a poucos metros de distância do veículo dele, um Logan branco.

Os homens envolvidos no latrocínio passaram por audiência de custódia na manhã de ontem, enquanto estavam detidos no Complexo da Polícia Civil. A Justiça transformou a prisão em flagrante para preventiva. Permanecerão presos até o julgamento. A Vara da Infância e Juventude não informou a situação do adolescente.


Mortes em serviço

Em 18 de janeiro, Aldenys da Silva, 29 anos, foi encontrado morto às margens da BR-070, próximo a Brazlândia. O suspeito do crime, um jovem de 19 anos, continuava foragido até o fechamento desta edição. Em 13 de outubro do ano passado, Henrique Fabiano Dias, 25, foi estrangulado por cinco adolescentes, com idades entre 14 e 17 anos. O quinteto foi apreendido pelo ato análogo ao crime de latrocínio na madrugada do crime, no Guará, com o carro da vítima. Em 11 de outubro, Tiego Cavalcante, 28, morreu com um tiro no rosto, em uma estrada de chão, em Samambaia Sul. O veículo dele foi encontrado perto da Feira Permanente de Samambaia Norte. Ninguém foi identificado ou preso pelo crime.



Palavra de especialista
“Profissionais em risco”

“A sensação de insegurança dos motoristas de transporte por aplicativo é um assunto amplo e digno de um debate que deveria ter sido iniciado de forma intensa pelo poder público. O que notamos é que as empresas de aplicativo são inertes em relação à segurança desses profissionais. Hoje, existem tecnologias que não são caras e fáceis de ser implementadas, a exemplo das câmeras de segurança em veículos, com um custo baixo de internet, o que aumenta a sensação de segurança tanto do profissional quanto da população cliente desse serviço, pelo fato de a pessoa ser monitorada o tempo todo. Mas há falta de boa vontade dos empresários em suprir essa necessidade, o que coloca a vida desses profissionais em risco. Os motoristas, por sua vez, não agem como vítimas e tentam se proteger da maneira que podem. Eles ligam, checam e tentam extrair alguma informação do passageiro. Evitam determinadas rotas, horários e locais, evitam uma conduta vitimizante. Cabe ressaltar que o Estado tem de estar pronto para fazer uma captação de demanda, visando a proteção desses profissionais por meio de políticas públicas, porque essa é uma profissão que, aparentemente, continuará por muito tempo.”

Ivon Iizuka é advogado, 
especialista em direito público e em segurança pela Total Florida International

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