Correio Braziliense
postado em 28/01/2020 04:21
O ciclista Jailson Barbosa, 34 anos, morreu na manhã de ontem, no Hospital Regional de Ceilândia (HRC), por hemorragia interna. O laudo cadavérico confirmará a causa do óbito. O padeiro estava internado desde sábado, quando foi atropelado na DF-459, via que liga as regiões de Samambaia e Ceilândia. A motorista Luzia Ferreira de Assis, 24, dirigia um Gol vermelho, sob o efeito de álcool e drogas, e sem habilitação, segundo a 15ª Delegacia de Polícia (Ceilândia Centro). Ela está em liberdade provisória e responderá por homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar).
De acordo com a investigação do caso, a condutora bebia com o marido em casa, na Cidade Estrutural, desde sexta-feira. Eles decidiram seguir para Ceilândia, onde encontraram uma amiga. Na cidade, passaram por uma distribuidora e seguiram para um bar. No início da manhã de sábado, Luzia e o companheiro pegaram a rodovia para chegar até o Recanto das Emas, onde participariam da festa de um amigo.
O delegado responsável pelo caso, Gutemberg Morais, explicou que a motorista perdeu o controle do veículo durante uma descida da rodovia. Ela invadiu a ciclovia que Jailson usava para chegar ao trabalho, em Ceilândia. “Pelo que pudemos observar no local, não havia marcas de frenagem na pista, que estava molhada por causa da chuva. Eles bateram de frente com a vítima. O carro só parou a metros de distância do ponto do acidente. Mas todos esses detalhes, e como a colisão ocorreu, apenas poderão ser confirmados pelo laudo”, destacou.
Luzia fez o teste do bafômetro, que apontou 0,51 miligrama de álcool por litro de ar — acima de 0,34 mg/l, quantia a partir da qual é considerado crime. Uma equipe da Polícia Militar a prendeu em flagrante e a encaminhou para a 15ª DP. “Ela dirigia sem as menores condições: na chuva, sem habilitação e embriagada. Também confessou ter usado cocaína, e o dano causado ao veículo pode indicar que ela estava em alta velocidade. Esperamos que tudo isso seja apontado por perícia”, acrescentou o investigador. O resultado da análise do local sairá até a próxima sexta-feira.
Até domingo, a condutora respondia por tentativa de homicídio. Após a morte do ciclista, a tipificação evoluiu para homicídio consumado. Se condenada, ela pode pegar até 20 anos de prisão. Segundo Gutemberg, a decisão ocorreu, pois, “além de tudo o que foi demonstrado, o automóvel estava com documentação irregular e pneus completamente carecas. Ela não apresentou qualquer apreço pela vida humana ao assumir esse risco”.
Liberdade
Luzia de Assis passou por audiência de custódia no domingo, no Departamento de Controle e Custódia de Presos (DCCP), no Complexo da Polícia Civil, no Parque da Cidade. A juíza que analisou o caso, Luciana Gomes Trindade, decidiu que a acusada respondesse em liberdade ao processo — ainda por tentativa de homicídio.
Em decisão, a magistrada destacou que “a conduta em si não causou significativo abalo da ordem pública nem evidenciou periculosidade exacerbada da sua autora, de modo a justificar sua segregação antes do momento constitucional próprio. Além disso, esta possui diversas condições pessoais favoráveis, como o fato de ser primária e possuir bons antecedentes, a existência de residência fixa com confirmação do endereço a ser realizada perante o Juízo natural da causa e trabalho lícito”.
O delegado Gutemberg Morais decidiu não se posicionar sobre a decisão da juíza. No entanto, ele afirmou que, no entendimento do caso, a motorista “com toda certeza é uma pessoa que oferece risco”. Com a evolução do crime para homicídio com dolo eventual, o investigador analisa pedir que Luzia responda ao processo presa. “Estamos buscando mais elementos que comprovem a necessidade de que a acusada seja mantida em cárcere. Aguardamos o laudo do local, que dará informações detalhadas sobre o acidente e que será muito importante para isso. Entretanto, também estamos buscando informações se a motorista tem alguma ocorrência de trânsito em estados vizinhos ao Distrito Federal, como em Goiás”, detalhou Gutemberg.
Lembranças
Bom pai, trabalhador e humilde. É assim que amigos e familiares descrevem Jailson Barbosa. A ex-cunhada, Adriana Queiroz, 19, guarda na memória lembranças da vítima. “Todo dia de manhã, ele acordava cedo e orava antes de sair para o serviço, pedia proteção a ele, à filha, e a todos da família. Ele era uma pessoa religiosa e também muito boa com todos”, relatou. “A parte mais difícil disso tudo é a filha dele, que só tem 2 anos. Ela acorda perguntando onde está o pai e chora de saudades. Isso nos deixa muito abalados. Mas ela não tem idade suficiente para compreender tudo o que ocorreu”, completou Adriana.
Taina Lima, 25, era amiga próxima de Jailson e recebeu com muita dor a notícia da morte. “Ele foi meu padrinho de casamento, uma pessoa com quem todo mundo sempre podia contar, porque ajudava em toda situação. Ficamos sem chão quando soubemos que ele não resistiu, porque é muito triste perder alguém como ele, que tinha uma filha de 2 anos, a amava e cuidava com carinho dela, e era alguém que o único defeito era a bondade em excesso”, lamentou.
Taina acredita que agora vai ficar a memória de uma pessoa “que morreu porque a Terra não o merecia”. “Recentemente, o Jailson abriu mão da comemoração do aniversário do meu marido e ficou até tarde no trabalho para ajudar um colega que havia perdido um familiar. Isso mostra quem ele era”, contou. Além da tristeza, a amiga sente indignação: “Estamos sem acreditar nessa injustiça. Todo mundo que o conhecia está revoltado, principalmente porque quem causou isso está livre, e a família dela deve estar feliz. Mas a nossa, de quem é próxima da vítima, está devastada”.
O corpo de Jailson será enterrado hoje, em Goiânia.
A vítima
Palavra de especialista
A vítima
Jailson Barbosa
» 34 anos
» Padeiro
» Natural de Goiânia
» Morador de Samambaia Norte
» Deixa uma filha 2 anos
Palavra de especialista
Lei difere da opinião pública
“A opinião pública vai muito pelo calor do fato, mas temos que observar a legislação. Uma série de questões são levadas em conta para manter ou não alguém preso. Se Luzia já fosse reincidente, revelaria uma contumácia. Como é primária, a magistrada considera que o fato é isolado, e ela não podia presumir uma periculosidade. As pessoas são punidas pelo fato que cometeram, não pelo que poderiam vir a cometer. É uma liberdade vinculada ao juízo, sob algumas condições. Ela ficará aos cuidados da Justiça, embora não esteja encarcerada”.
Fabrízio Jacinto Lara,
especialista em direito penal
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