Correio Braziliense
postado em 31/01/2020 04:16
O Distrito Federal registrou mais um caso de violência contra motoristas de transporte por aplicativo. O morador da Estrutural Samuel Veras dos Santos, 41 anos, passou por momentos de terror ao ser sequestrado por um casal na noite de quarta-feira. A vítima ficou com os criminosos por mais de 20 horas, sendo agredido e ameaçado com uma arma de fogo. O homem foi encontrado na manhã de ontem, ferido e com as mãos amarradas no volante do carro. A 8ª Delegacia de Polícia (SIA) investiga o caso. Diante de mais um caso de violência contra profissionais do setor, colegas de profissão de Samuel fizeram uma carreata para pedir por mais segurança no trabalho (leia abaixo).
Samuel desapareceu após aceitar uma corrida próximo ao Restaurante Comunitário da Estrutural, por volta das 10h de quarta. De acordo com o delegado à frente do caso, Rodrigo Bonach, a solicitação de viagem por aplicativo foi feita por uma mulher, que não teria participado do crime. Um homem branco e de cabelos castanhos, e uma mulher branca, de olhos e cabelos castanhos, são indicados como os principais suspeitos. Até o fechamento desta edição, eles não tinham sido identificados. “Quando o motorista chegou ao local indicado, a mulher acenou, com um celular em mãos. Ela se sentou no banco do passageiro, na frente. Nesse momento, o comparsa entrou no automóvel na parte de trás e colocou a arma de fogo na cabeça da vítima”, explicou Bonach.
Samuel ficou na direção do volante por um tempo. Depois, o casal o amarrou e o colocou no porta-malas. De madrugada, os criminosos ordenaram para que Samuel voltasse a conduzir o automóvel. “Nesse momento, ele (a vítima) jogou o veículo em um atoleiro, impedindo que voltasse a circular. Em seguida, os suspeitos o feriram com uma faca e o deixaram com o pescoço e as mãos amarrados”, detalhou o chefe da 8ª DP.
Segundo o delegado, os agentes contam com apoio da Uber, empresa para qual Samuel presta serviço, para ter mais informações sobre quem pediu a viagem. “O crime é tratado como roubo com restrição de vítima. Não investigamos como tentativa de latrocínio, porque eles tiveram a oportunidade de matá-lo e não o fizeram.”
Bonach relatou que o motorista ficou com cortes na cabeça e nos braços, mas que não corre risco de morte. “Ele recebeu atendimento no Hospital de Base e passou por exames no IML (Instituto de Medicina Legal). O veículo dele foi apreendido e passa por perícia”, reforçou. O casal suspeito pelo crime fugiu, levando R$ 1,1 mil da vítima e um frasco de perfume. O carro e o aparelho celular de Samuel foram abandonados na cena do crime.
Em nota, a Uber informou que “traz enorme tristeza que cidadãos que desejam apenas trabalhar ou se deslocar sejam vítimas da violência que permeia nossa sociedade. A empresa está em contato com as autoridades para colaborar com as investigações desde o início, fornecendo todos os dados necessários, na forma da lei”.
Empresas
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram que, em média, a cada 82 horas, um motorista de transporte por aplicativo é vítima de roubo com restrição de liberdade na capital do país. No ano passado, 107 desses profissionais sofreram um sequestro. O número é 181% maior se comparado a igual período de 2018, quando houve 38 registros. As tentativas de latrocínio também aumentaram 22% (de nove para 11). Latrocínios somam dois casos nos dois anos.
A pasta ressaltou que busca, desde o início de 2019, alinhar medidas de segurança dos motoristas com as empresas de transporte por aplicativo. Nesse período, foram realizados cinco encontros com representantes da Uber e da 99Pop, “com o objetivo de propor soluções para reduzir a vulnerabilidade dos profissionais e passageiros que utilizam este serviço.”
Durante as reuniões, um ponto tratado foi a opção de restrição dos pagamentos em dinheiro — uma das reivindicações dos profissionais parceiros dos aplicativos. “Além disso, a SSP fortaleceu os canais de comunicação com as empresas para facilitar a troca de informações que possam ser utilizadas na elaboração de políticas de segurança específicas, bem como na elucidação de crimes cometidos. Participamos, ainda, de duas audiências públicas (Câmara Legislativa e Câmara dos Deputados) para desenvolver projetos de lei que aperfeiçoem a legislação para garantir mais segurança aos profissionais desta categoria”, finalizou o texto.
Em nota, a 99Pop frisou que está aberta ao diálogo “com o poder público, motoristas e sociedade para contribuir com a segurança pública do Estado, além de estar disponível para colaborar com as investigações da polícia sempre que necessário. Por isso, a segurança para a 99 é prioridade antes, durante e depois das corridas.”
“O app investe continuamente em sistemas preventivos, ferramentas de proteção e atendimento imediato. Como formas de prevenção antes das chamadas, a companhia mostra aos motoristas informações sobre o destino final, a nota do passageiro e se ele é frequente — além de exigir que todos os passageiros incluam CPF ou cartão de crédito. Durante o trajeto, ferramentas como câmeras de segurança e compartilhamento de rotas estão disponíveis. Depois das viagens, uma central telefônica 24h para emergências oferece apoio imediato em caso de necessidade”, completou o texto.
A Uber acrescentou que trata a segurança dos parceiros como prioridade. “Estamos buscando, por meio da tecnologia, fazer a plataforma a mais segura possível de uma forma escalável. Hoje, uma viagem pelo aplicativo já inclui diversas ferramentas de segurança antes, durante e depois de cada viagem. O aplicativo exige do usuário que quiser pagar somente em dinheiro que insira CPF e data de nascimento, dados que são checados na base de dados da Serasa.”
A empresa também salientou que um novo recurso de segurança para os motoristas será aplicado à plataforma do Brasil neste primeiro semestre. “Com o objetivo de prevenir que pessoas mal-intencionadas usem o aplicativo, a Uber começa a implementar um projeto-piloto do Doc Scan no Chile. Por meio dele, usuários que não adicionarem meios de pagamento digitais no cadastro ou antes de uma viagem serão solicitados a submeter um documento de identificação, que terá dados e autenticidade verificados”, informou.
Três perguntas para
Leonardo Sant’Anna, especialista em segurança pública
O que o aumento dos casos de sequestro e tentativa de latrocínio de motoristas de aplicativos indica, sob o ponto de vista da segurança pública?
Uma necessidade imediata de repensar como o poder público deve interagir com usuários e prestadores desse tipo de serviço. Saiu de cena o que era uma proposta de transporte colaborativo e entrou um modelo intenso de mobilidade pública, que traz dinheiro e um bem material extremamente atrativo aos bandidos.
É preciso pensar em políticas públicas que englobem as empresas de aplicativo e o governo?
Certamente. Essa nova modalidade de transporte, antes de qualquer coisa, precisa de analistas de risco que monitorem os fenômenos que acompanham as decisões da empresa. Colocar dinheiro a ser coletado pelos motoristas sem prever que haveria uma ação de bandidos é uma decisão infantil. A Secretaria de Segurança tem qualidade suficiente para fazer muito mais que dar apoio. Algumas medidas que podem ser tomadas pela SSP-DF em parceria com as empresas são compartilhamento de dados sobre veículos e condutores; boas práticas sobre como monitorar as frotas existente; capacitação de um futuro serviço de apoio emergencial aos motoristas de aplicativo; e até consultoria para criação de um centro de comando e controle das próprias empresas.
O que as empresas podem fazer para prevenir esses crimes?
Instalar tecnologias de acionamento de emergência, financiar as soluções para implementação imediata do que houver disponível no mercado (câmeras internas e botões de pânico, por exemplo), disponibilizar um portal de educação em segurança que atualize constantemente os tipos de risco a que estão suscetíveis os motoristas. Essas medidas poderiam iniciar uma mudança nesse cotidiano de violência.
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